No governo Lula, refinarias podem continuar sendo fonte de problemas
Além dos prédios de Brasília, golpistas tentaram invadir refinarias da Petrobras, atualmente no foco de discussão em torno da política energética do país
Enquanto ocorriam as cenas de barbárie nos prédios dos três poderes em Brasília, grupos de apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro ainda inconformados com o resultado das eleições já se preparavam para avançar para novos alvos, escolhidos para disseminar o caos dessa vez em meio à atividade econômica do país. Mal as bombas de gás lacrimogêneo haviam parado de espocar na Esplanada dos Ministérios, na noite de domingo, os bolsonaristas começaram a criar tumultos em torno das refinarias de petróleo do país. Descarregaram caminhões de terra próximo da Repar, no Paraná, e cercaram a Refap, no Rio Grande do Sul, onde os terroristas ameaçavam invadir a unidade. Na semana anterior aos incidentes, o perigo já começava a se desenhar, com um aumento de 7 000% nas menções ao termo “refinaria” em 439 canais e 228 grupos bolsonaristas no Telegram, segundo dados de pesquisa coordenada pelos professores Leonardo Nascimento Paulo Fonseca, da UFBA e Letícia Cesarino (UFSC) com apoio do InternetLab. No dia dos incidentes em Brasília, sindicalistas ligados às empresas sob risco avisaram o governo e houve uma intervenção direta do Ministério de Minas e Energia, que alertou governadores e cobrou ações mais contundentes da polícia. “Até então, a PM vinha só observando, como aconteceu em Brasília”, conta Deyvid Bacelar, coordenador-geral da Federação Única dos Petroleiros (FUP).
A tensão, no entanto, se manteve por toda a semana. Indicado pelo governo Lula à presidência da Petrobras, o senador Jean Paul Prates (PT-RN) afirmou que especialistas da área de inteligência da estatal se mantinham presentes no Centro Integrado de Comando e Controle (CICC) do governo do Rio de Janeiro para monitoramento das unidades no estado, onde fica a sede da empresa. Na quarta-feira 11, foi percebido que golpistas articulavam uma invasão ao terminal aquaviário da Transpetro e da base de distribuição da Vibra, ambos localizados no Porto de Maceió. Todas essas ameaças tinham como objetivo estrangular o abastecimento de combustíveis, uma vez que as refinarias têm importância estratégica na cadeia de logística e abastecimento do país. “Interromper o fornecimento de combustíveis é péssimo para o país, para a economia, para o emprego, para a renda de todo mundo. Sem gasolina, tudo para”, afirma Marcelo Mesquita, membro independente do conselho de administração da Petrobras.
As ameaças dos bolsonaristas acabaram por tangenciar um tema crítico no cenário econômico nos últimos anos, que envolve um acalorado debate sobre essas colossais estruturas de processamento de petróleo — e a própria Petrobras. Desde que o monopólio da petroleira estatal foi quebrado e regulamentado entre 1995 e 1997, prevê-se que a empresa se desfaça de boa parte de suas estruturas de refino. O objetivo é dar maior competitividade ao setor e ao mesmo tempo reduzir a concentração de uma área tão importante sob o controle de uma única estrutura pertencente ao Estado e vulnerável a toda a sorte de solavancos políticos.
Não faltam exemplos de como essa situação pode ser nefasta. A utilização errática da empresa pelo governo de Dilma Rousseff tornou-se parte do desastre que levou à maior crise econômica dos últimos anos e causou um prejuízo de 180 bilhões de reais. No governo de Michel Temer, mudanças na política de preços engendraram a greve dos caminhoneiros, que impactou os índices de atividade econômica do país e por pouco não derrubou o governo. No fim da gestão de Jair Bolsonaro, os aumentos dos preços dos combustíveis levaram a sucessivas demissões de presidentes da estatal e a interferências na gestão da empresa. Em determinado ponto, a privatização da estatal começou a ser considerada não por sua relevância econômica, mas pelo simples motivo de o governo se ver livre do ônus de ter sob sua gestão o controle do setor petrolífero.
Desde 2019, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) exige que a Petrobras venda parte das suas refinarias. Das treze unidades que detinha, a estatal precisava se desfazer de oito. Até agora apenas três delas foram vendidas a empresas privadas e no que depender do atual governo esse número não deve aumentar. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva é explícito não apenas ao refutar qualquer possibilidade de privatizações, como também nos planos de aumentar a quantidade de refinarias sob controle da empresa com a construção de mais unidades. O movimento é parte da estratégia do PT para garantir o controle dos preços dos combustíveis fundamentada basicamente na produção nacional sob controle da estatal. Atualmente, cerca de 30% do diesel e 15% da gasolina consumidas são importados. Acredita-se que, com o aumento no parque de refinarias e consequente aumento na produção, essa dependência externa fundamentada em produtos cotados em dólar poderia ser sanada.
O problema é que refinarias custam pelo menos 10 bilhões de dólares para serem construídas e levam anos para ficar prontas. Com isso, ainda que o governo viabilize os recursos para as obras — e elas se iniciassem nesse momento —, tais estruturas começariam a operar apenas no fim da década. Até lá, o setor energético estará em outro compasso, em meio à veloz transição que ocorre na economia global, rumo aos veículos elétricos. “Se esse governo resolver fazer refinaria, não vai ver pronta. Esses recursos poderiam ser muito melhor aplicados em outras fontes de energia como parques eólicos offshore, biocombustíveis, coisas mais modernas, necessárias e atuais”, avalia David Zylbersztajn, ex-diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo (ANP). No cenário desenhado pelo governo petista, em vez de serem parte da solução, as refinarias podem continuar sendo fontes enormes problemas.
Publicado em VEJA de 18 de janeiro de 2023, edição nº 2824