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É impossível garantir que IA reduzirá desigualdades, diz sócio do BCG

Sylvain Duranton compartilha suas expectativas para o futuro da IA e os desafios de sua implementação nas empresas

Por Camila Barros Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 22 abr 2025, 12h21 - Publicado em 22 abr 2025, 12h00

Em um estudo de 2024, o Fundo Monetário Internacional estima que cerca de 60% dos empregos em países desenvolvidos podem ser impactados pela inteligência artificial – e que metade deles tende a se beneficiar com ganhos de produtividade. Já nos mercados emergentes, a exposição à IA é menor no curto prazo, o que reduz o risco de um choque imediato no mercado de trabalho. Por outro lado, a falta de infraestrutura e de qualificação pode dificultar o uso da tecnologia e ampliar a desigualdade entre as nações.

Segundo o estudo, a desigualdade também pode se aprofundar dentro dos próprios países, favorecendo quem consegue usar a tecnologia – com ganhos de produtividade e salário – e deixando para trás quem não consegue. “Na maioria dos cenários, a IA provavelmente vai agravar a desigualdade geral”, diz o relatório. “É crucial que os países estabeleçam redes de proteção social abrangentes e ofereçam programas de requalificação para os trabalhadores vulneráveis”.

Embora alarmantes, as conclusões do estudo ainda não são consenso entre pesquisadores e consultores da área de tecnologia. Há quem defenda que a IA pode, na verdade, reduzir o gap de informação e derrubar as barreiras educacionais que alimentam as disparidades sociais. Este é o caso do francês Sylvain Duranton, diretor executivo e sócio sênior do Boston Consulting Group, onde lidera o BCG X – divisão focada em inteligência artificial da consultoria. Em entrevista a VEJA, ele compartilhou suas principais expectativas para o futuro da IA.

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Sylvain Duranton, diretor executivo e sócio sênior do BCG. (//Divulgação)

VEJA: O FMI projeta que a IA será o maior motor de crescimento econômico mundial na próxima década – e alerta que é preciso garantir que esses avanços não aprofundem a desigualdade global. Como fazer isso?

SD: Quando olhamos para outras inovações importantes da história – celular, trens, computação – ninguém tentou “garantir” que elas não aumentariam a desigualdade. E ainda assim, todas ajudaram a ampliar produtividade e acesso ao conhecimento, inclusive no Sul Global. Com a IA, de repente temos ONGs, políticos, think tanks, todo mundo querendo garantir que os efeitos serão positivos. Eu estou 100% convencido de que a IA vai ajudar a reduzir desigualdades, mas não é algo que o governo ou qualquer outra entidade consiga garantir. 

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VEJA: Por que tem certeza disso?

SD: A maior moeda do mundo é o conhecimento. Alguns têm acesso à educação formal, outros não – e não por falta de talento ou inteligência, mas porque alguns países e famílias são mais ricos que outros. A IA generativa é a máquina definitiva para reduzir essa barreira, porque aproxima e barateia as ferramentas de educação. Hoje já existem startups operando no Sul Global – Índia, Vietnã, por exemplo – que oferecem tutores individuais de inglês por cinco dólares por mês. Você conversa com a máquina, ela te ensina um bom sotaque em inglês e garante que você entendeu.

VEJA: Um dos maiores receios das pessoas com o avanço da IA é a mudança no mercado de trabalho e a potencial perda de empregos. O que já sabemos sobre isso? Quais setores devem ser mais afetados?

SD: Ainda é uma questão em aberto. Tem economistas que preveem perda massiva de empregos; outros, nenhuma. Recentemente, fizemos uma pesquisa com 1.500 executivos C-level para o Fórum de Davos, perguntando como eles veem o impacto da IA no quadro de funcionários. Só 7% disseram que vão reduzir a equipe. Outros 13% disseram que vão aumentar. A esmagadora maioria [80%] acredita que o número total de funcionários não vai mudar muito. Isso bate com o que a gente vê na prática: há muitas mudanças no perfil dos profissionais, no tipo de trabalho, em como se trabalha. Mas não há um tsunami de demissões. Por isso, não estou preocupado.

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VEJA: Já se passaram dois anos e meio desde o lançamento estrondoso do ChatGPT, que mudou o jogo no uso da IA generativa para tarefas do dia a dia. Quais são as próximas fronteiras que a IA precisa alcançar?

SD: O próximo passo são os agentes. Eles não só respondem – eles executam. Pegam dados, mandam pro ERP [sistema de planejamento de recursos empresariais], criam código, integram sistemas. Eles realmente fazem as coisas por você. Além disso, os modelos estão ficando mais espertos. Em vez de tentar responder direto uma pergunta difícil, eles quebram o problema em partes menores, resolvem bem cada parte e montam uma resposta.

Vamos ver também novas arquiteturas de chips – mais eficientes, menos consumidoras de energia. E tem a computação quântica. Hoje ela só traz vantagem em problemas teóricos, irrelevantes. Mas está começando a resolver problemas úteis mais rápido que a computação tradicional. Até pouco tempo, diziam: “quântica em dez anos” – e repetiam isso todo ano. Agora parece que está vindo mesmo. Isso pode mudar o jogo em áreas como design de produtos, ciência dos materiais, biologia.

VEJA: Consegue dar um exemplo?

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SD: Hoje, para otimizar o design de um carro, a gente constrói o carro, testa no túnel de vento, mede o coeficiente de arrasto (CX). Mas por que não pedir pro computador: “me desenhe um aerofólio que seja o mais bonito e eficiente possível”? Hoje não dá. São parâmetros demais.

Com quântica, isso muda. Você dá os parâmetros, o sistema testa milhões de possibilidades sozinho e devolve a melhor solução. Isso se chama design generativo – e vai ser uma revolução.

VEJA: Ainda há espaço para pequenas e médias empresas entrarem na corrida por essas inovações, ou isso ficou concentrado nas big techs?

SD: O desenvolvimento interno de soluções com IA tende a ficar restrito às grandes empresas, que têm recursos para isso. Mas isso não significa que as menores ficarão para trás – elas vão acessar a IA por meio das ferramentas que já usam no dia a dia, em áreas como RH, marketing (caso da Adobe), finanças e assim por diante. Mesmo em grandes empresas, cerca de 80% das pessoas usarão IA por meio de plataformas prontas, não por sistemas desenvolvidos internamente.

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VEJA: Em 2024, a União Europeia aprovou o ‘AI Act’, lei que regulamenta o desenvolvimento e uso de inteligência artificial no bloco. A lei tem um período de implementação de 3 anos, e marca uma das primeiras tentativas globais de regular esta nova tecnologia. Como você avalia o texto?  

Sylvain Duranton: A lei cria regras específicas para o uso de IA e classifica o que é considerado de risco, alto risco ou proibido. É bem diferente do que se vê no resto do mundo, onde a IA precisa apenas seguir as legislações já existentes – não há um conjunto próprio de normas. A proposta europeia é bem-intencionada, mas ainda estamos no meio do caminho. O arcabouço está definido, mas faltam padrões e decisões legais concretas. 

Uma preocupação é que, na construção do arcabouço, só 7% das contribuições externas vieram de empresas – os outros 93% vieram de ONGs e do meio acadêmico. O setor privado foi pouco proativo. Isso precisa mudar. As empresas têm que agir rápido, ajudar a definir padrões pragmáticos e dialogar com os legisladores. Se não fizerem isso, o risco de cairmos num pesadelo burocrático é alto.

VEJA: Alguns críticos dizem que a legislação europeia pode travar a inovação em IA. Você concorda?

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SD: Ainda é cedo para dizer. Vai depender muito do setor empresarial. Se não houver engajamento, se as empresas não propuserem padrões, não ajudarem a definir o que é ou não arriscado, o que pode ou não ser feito, aí sim – há um risco real de frear a inovação.VEJA: No Brasil, ainda estamos no início da discussão sobre regulação. O que o país deve ter em mente ao pensar em desenvolver e regulamentar a IA?

SD: Quanto mais esse debate for construído junto com o setor empresarial, melhor. Porque a IA, antes de tudo, é uma alavanca de produtividade. Claro que o governo precisa regular, mas também é fundamental enxergar o potencial de benefícios – e evitar criar barreiras excessivas. Além da regulação, o governo deve pensar em políticas de incentivo que garantam que a IA desenvolvida pelas grandes corporações também chegue às PMEs, por exemplo.

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