Moderada e liberal: o que esperar da política econômica de Biden
Aumento dos gastos públicos é dado como certo, mas deve ocorrer mais em reação à crise do que pela ideologia do partido
Em entrevista a VEJA, o consagrado historiador Niall Ferguson lembrou que “Biden venceu porque disputou como o Sr. Moderação e transformou Trump em uma bola de demolição”. Esta frase explica bem o que esperar da virada na política econômica com o governo do democrata Joe Biden, cuja posse acontece nesta quarta-feira, 20. Considerado um político a favor do establishment, a principal marca que o difere de Trump é a estabilidade. Ao contrário do republicano, não são esperados tuítes e declarações bombásticas capazes de oscilar em minutos mais de 2 pontos porcentuais nas bolsas como ocorria com Trump. “Biden entende que não dá para ser radical e isso faz dele um político muito previsível”, diz Alejandro Ortiz, economista da Guide Investimentos.
Além de não criar um ambiente de risco tão grande aos mercados, Biden é considerado um político que consegue agradar diversas alas do partido democrata, tanto o centro esquerda e centro direita quanto as alas mais extremistas. Na prática, isso significa que não vai pressionar o Congresso para avançar pautas que desagradam muita gente. Em relação à política de migração, por exemplo, que impacta nos empregos americanos, ele substituirá a agenda nacionalista de Donald Trump por uma de proteção aos vulneráveis, mas manterá o viés liberal.
Outro ponto importante de sua política econômica é o aumento de impostos. Biden voltará a taxar as empresas, mas não são esperados patamares tão altos quanto aos ocorridos antes do governo de Donald Trump. Na apresentação de seu plano econômico em julho do ano passado, antes das eleições, esse discurso foi usado veementemente pelo democrata para criticar o republicano, que aboliu muitos impostos para incentivar o crescimento das empresas.
Na ocasião, ele apresentou ainda medidas para agradar o eleitor de Trump como direcionar as compras de suprimentos por entidades federais para apenas produtos fabricados no país, investir em pesquisas na área de tecnologia e carros elétricos, serviços e produtos americanos para apoiar a classe trabalhadora. Biden coloca em primeiro lugar a proteção às camadas mais pobres, aumento do emprego, investimento em infraestrutura e maior salário para professores contrabalanceando com aumento de impostos, mas defendeu isso olhando para os americanos.
A prioridade agora será tratar os efeitos agudos da crise causada pela Covid-19. A taxa de juros básica da economia não deverá subir tão cedo. Em sessão no Senado na terça-feira 19, a sua indicada à chefe da Secretaria do Tesouro, Janet Yellen, afirmou que os juros longos, que refletem o risco do país, estão baixos. Como há perspectiva de crescimento do PIB no ano que vem, o déficit fiscal não seria um problema porque a relação dívida/PIB tende à estabilidade. “Yellen não indicou uma mudança explosiva e os formuladores da equipe econômica de Biden são alinhados com esta visão. Ela por sua vez segue o consenso acadêmico dos intelectuais americanos”, diz o economista Ortiz.
Vale lembrar que, apesar de ser republicano, Trump não teve uma preocupação fiscal grande em seu governo. O seu discurso até foi fiscalista, mas na prática reduzir o déficit público não foi prioridade em seu governo. Sendo assim, o aumento dos gastos públicos que tende a ocorrer com os democratas não representará uma mudança radical em relação ao governo anterior.
E aqui, mais uma vez, a moderação de Biden entra em jogo. Analistas esperam que o pacote de 1,9 trilhões em benefícios fiscais acontecerá, mas será enxugado uma vez que há democratas de centro que se preocupam com o déficit fiscal. Os investidores, portanto, podem esperar uma política econômica mais estável, muito diferente da balança desequilibrada do governo Trump.
Esses fatores impulsionarão o dólar para baixo nos mercados mundiais, mas tanto o real quanto as bolsas brasileiras sentirão este impacto de maneira diferente por conta dos riscos domésticos.