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Marcelo Noronha, presidente do Bradesco: “O cenário é positivo”

O executivo detalha o novo plano de reestruturação do banco e explica por que está otimista com a perspectiva de crescimento econômico do país

Por Amauri Segalla
Atualizado em 3 jun 2024, 16h38 - Publicado em 31 Maio 2024, 06h00

Em novembro de 2023, quando assumiu a presidência do Bradesco, o pernambucano Marcelo Noronha, 58 anos, vislumbrou um enorme desafio pela frente. A instituição octogenária enfrentava altos índices de inadimplência, seu lucro anual estava em declínio e o ROE (sigla para retorno sobre patrimônio, uma medida de rentabilidade) atingira o nível mais baixo desde 2007. Pouco tempo depois, em fevereiro, Noronha lançou um plano de reestruturação que resultou na contratação de executivos do mercado, demissão de antigos diretores e criação de diretrizes para as áreas de crédito. Ainda é cedo para saber se a iniciativa prosperou — segundo ele, a mudança mira o longo prazo —, mas Noronha mantém o otimismo. Ele diz que sempre foi assim, apesar dos percalços no caminho. Aos 5 anos, perdeu o pai e, aos 15, iniciou a vida profissional como estagiário da Superintendência de Pesca do Recife. Mais tarde, enveredou para o ramo bancário, até chegar ao cargo máximo do Bradesco. Na entrevista a seguir, concedida no escritório do banco em São Paulo, enquanto se deliciava com goles generosos de água de coco, ele explicou por que confia na recuperação do banco e na retomada da economia brasileira. Confira os principais trechos da conversa.

O senhor disse recentemente que está otimista com o Brasil, mas que mantém os pés no chão. Poderia explicar melhor essa aparente contradição? Eu vou começar pela cautela. O Brasil é um país emergente. Não tem a estabilidade ou a capacidade de planejamento que se observa, por exemplo, nos Estados Unidos. Temos um desafio estrutural relativo aos aspectos fiscais. E o desafio, claro, da própria pobreza da população, que precisa enriquecer. Essa é a cautela mencionada por mim.

E o que justifica o otimismo? Primeiro, é preciso olhar para o PIB. Os economistas do Bradesco apontam para um crescimento da economia da ordem de 2,5% em 2024. O índice de desemprego deverá fechar o ano entre 7,5% e 8%, um nível relativamente baixo e confortável. E há um dado que se conecta com esse, que é o aumento da renda dos brasileiros. Por fim, destacaria um cenário de inflação sob controle, apesar de algumas escapadas de preços. É um contexto positivo, que deveria ser considerado nas análises sobre o país.

Voltando à temática das preocupações. O desequilíbrio fiscal do país não é um entrave que poderá frear o crescimento econômico? Claro que o equilíbrio fiscal é importante, mas esse é um problema estrutural do Brasil, não deste governo em especial, não do governo passado em particular. É um desafio histórico. Por isso eu digo que sou otimista, mas um otimista cauteloso.

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A inflação sob controle se deve sobretudo à política monetária do Banco Central. A troca de comando na autarquia, prevista para o final do ano, é motivo de preocupação? Ninguém sentará na cadeira de comando do Banco Central sendo um forasteiro. O Roberto Campos Neto (presidente do BC) tem credibilidade e precisamos reconhecer o trabalho dele. Independentemente disso, eu acho que vamos em frente com uma boa política monetária. A independência do Banco Central é uma conquista positiva e não acredito em mudanças significativas de rota.

“O equilíbrio fiscal é importante, mas esse é um problema estrutural do Brasil”

Em fevereiro, o Bradesco lançou um plano estratégico que busca melhorar a rentabilidade do banco. Ele funcionou? Não fizemos o plano só para ganhar rentabilidade. Se fosse um projeto de curto prazo, não precisava sequer fazer plano. O que atrapalhou o nosso resultado no ano passado foi a inadimplência do cliente massificado e das pequenas empresas. O Bradesco tem alta penetração entre pessoas físicas, lidera em pequenas empresas e estava com uma política de crédito arrojada. Demoramos para rever isso e estamos pagando a conta dos clientes que fizeram créditos mais longos. Fizemos alguns ajustes e o cenário começou a mudar.

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O Bradesco encerrou o primeiro trimestre com ROE de 10%, enquanto a média do mercado brasileiro é de 15%. O banco mira que número no futuro? Não sei se é 20%, se é 17%. Vamos mirar o melhor indicador possível. Não vou dar um número exato porque o mercado fica ansioso demais.

Que ajustes foram feitos para melhorar os resultados do banco? Na área de crédito, eu tenho um modelo estatístico bastante eficaz. Ele diz a probabilidade de default (calote) de acordo com certas características dos clientes. Nós incrementamos esse processo com dados transacionais, usando muito mais machine learning em nossa política. A partir disso, você define qual será a política de crédito a ser adotada para aquele cliente em particular, de acordo com o rating dele. É um trabalho fundamental. Para você ter ideia, nossa carteira de crédito é de quase 900 bilhões de reais.

Ou seja, o Bradesco passou a investir mais em tecnologia para rever seus processos? Na verdade, estamos ampliando o quadro de tecnologia para trabalhar menos com terceiros e mais com desenvolvedores e engenheiros próprios. Essa é a lógica para ganhar eficiência e produtividade.

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O senhor tem uma longa trajetória na indústria bancária. O que mudou no setor nos últimos anos? Eu diria que a competição mudou. Na verdade, o mundo está mudando, e agora você precisa ser mais ágil. Em nosso ramo, é essencial mudar a forma como nos comunicamos com o cliente. Hoje em dia, podemos dizer que o Bradesco é um banco digital. Mais de 90% de nossas transações são feitas em nosso aplicativo, que é o principal canal do banco, ou no internet banking. No app, o cliente encontra aproximadamente 200 produtos e serviços. Até pouco tempo atrás, isso seria impensável.

Nesse contexto, as fintechs representam uma ameaça para os bancos tradicionais? Claro que as fintechs preocupam. Todo competidor preocupa. Mas qual é a quantidade de produtos que oferecem? Meia dúzia, um pouco mais? Nós oferecemos muito mais sofisticação e, certamente, produtos e serviços melhores, além de atendimento superior. Sabe quanto representava no final do ano passado a carteira de crédito dos bancos digitais do Brasil em relação aos bancos incumbentes, incluindo as cooperativas? A resposta é 3%. Então, quem carrega o piano? Somos nós, os grandes bancos. Além disso, sabemos que o cliente que é apenas digital tende a ser menos fiel. Por todas essas razões, continuamos muito bem posicionados no mercado.

O Bradesco sempre foi mais associado à baixa e média renda. Há planos para fisgar outros públicos? Na verdade, somos fortes em todos os segmentos. O Bradesco tem 1,7 milhão de clientes de alta renda. No segmento private, que é a altíssima renda, nosso market share é de 22%. Em 2018, o índice era 17%. Ou seja, temos entregado muita coisa para esse público também.

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“Claro que as fintechs preocupam, mas são os grandes bancos que carregam o piano”

Qual é a participação do Bradesco na baixa renda? Não conseguimos medir especificamente o share. Mas posso dizer o seguinte: entre os clientes de baixa renda que estão com a gente, os que têm o Bradesco como principal banco são 60%. Temos 60 milhões de clientes massificados. Quem tem mais do que isso? Bom, o Nubank declarou um número outro dia. A Caixa Econômica também. Mas o fato é que nós temos alta penetração. O mercado é grande e tende a crescer. Em 2023, a receita total do mercado bancário brasileiro foi de 1,3 trilhão de reais. Entre 30% e 40% disso vêm do cliente massificado, segmento em que temos uma presença muito forte.

Em quais frentes o Bradesco acredita ter maior perspectiva de crescimento? Vou dar um exemplo: se a carteira de crédito no Brasil crescer 8% ao ano, isso significará uma adição de 3,3 trilhões de reais para o mercado todo ao final do quinto ano. Tem um monte de dinheiro aqui. Podemos morder um pedaço importante desse volume.

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O Bradesco sempre valorizou a prata da casa, mas, desde a sua chegada, passou a buscar profissionais do mercado. Por quê? Queremos pessoas com algumas características diferentes para complementar os nossos quadros. Mas, claro, não significa que não valorizamos a prata da casa, muito pelo contrário. Ao mesmo tempo que estamos abertos para pessoas de fora, também incentivamos os nossos talentos. Na verdade, nós promovemos várias mudanças. Cortamos alguns níveis hierárquicos, de modo a tornar os processos internos mais ágeis e melhorar os processos de comunicação.

O novo plano estratégico do banco passa pela redução dos pontos de atendimento? Fizemos uma revisão de nossos pontos de venda, fechando cerca de 300 deles. Mas nossa presença nacional é marcante. Temos 38 000 correspondentes bancários espalhados por todos os municípios brasileiros. Quem mais se aproxima desse modelo é a Caixa, com as suas lotéricas, mas ainda assim o número da Caixa é menor que o nosso.

O que o senhor faz para se desligar do banco? Não dá para desligar. Talvez eu me desconecte um pouco quando corro — faço isso cinco vezes por semana. O meu hobby é trabalhar. Eu brinco que criei um modelo de home office 5 por 2: fico durante a semana no escritório e sábado e domingo em casa. O trabalho é duro, mas não posso perder a piada.

Publicado em VEJA, maio de 2024, edição VEJA Negócios nº 2

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