Litígio de 1935 volta à tona e reacende a pergunta: Trump pode derrubar o Fed?
Decisão da Suprema Corte pode abrir brecha para interferência no banco e enfraquecer proteções que garantem a autonomia de órgãos reguladores há décadas

Poucas instituições são tão zeladas por sua independência quanto o Federal Reserve. No entanto, esse pilar pode estar prestes a balançar. Um caso aparentemente periférico, atualmente em análise pela Suprema Corte dos EUA, reacendeu o debate sobre os limites da autoridade presidencial sobre agências reguladoras independentes — e, por extensão, sobre o próprio banco central americano.
O litígio que reacende o debate remonta ao caso “Executor de Humphrey”, de 1935, quando a Corte decidiu que o presidente Franklin D. Roosevelt não tinha autoridade para demitir, por razões políticas, William Humphrey, um comissário da Comissão Federal de Comércio (FTC). A decisão lançou as bases para a criação e preservação de uma série de agências reguladoras que, embora nascidas do poder executivo, passaram a operar com independência funcional — um escudo contra oscilações ideológicas. O Fed, embora mais antigo, se beneficiou do espírito dessa jurisprudência ao longo do século XX. É esse precedente – de que certas funções regulatórias, por sua natureza técnica e apolítica, devem ser blindadas contra interferência direta do Executivo – que agora volta à berlinda.
O novo teste à doutrina vem de casos recentes envolvendo membros de dois órgãos: Gwynne Wilcox, do Conselho Nacional de Relações Trabalhistas, e Cathy Harris, do Conselho de Proteção de Sistemas de Mérito — demitidas por Donald Trump, mesmo estando protegidas por legislações específicas. Embora tribunais inferiores tenham validado o direito de permanência das servidoras, o caso chegou à Suprema Corte, que manteve as demissões até julgamento definitivo, previsto para maio. A expectativa, segundo especialistas, é que a maioria conservadora da Corte veja nesse momento uma oportunidade para reinterpretar o Humphrey’s Executor e, com isso, ampliar os poderes do presidente sobre o “Estado administrativo”.
Indicado por Trump em 2017 e reconduzido por Joe Biden em 2022, Jerome Powell preside o Fed com mandato garantido até maio de 2026. De volta à Casa Branca, Trump tem feito ataques ao Fed por manter os juros elevados na tentativa de conter a inflação. O republicano tem alternado entre ataques e sugestões sobre como o Fed deveria atuar, aumentando a pressão e os temores sobre a independência do órgão. Embora o presidente nomeie os dirigentes do Fed (com aprovação do Senado), uma vez empossados, eles não podem ser demitidos sem uma justa causa. Mas se a Suprema Corte decidir que o presidente pode destituir membros de agências reguladoras à vontade, o precedente abriria espaço para tentativas similares no Fed.
A Suprema Corte, agora com maioria sólida de juízes conservadores, poderá usar os casos de Wilcox e Harris para reinterpretar ou mesmo esvaziar a doutrina de 1935. O temor entre especialistas é que a maioria conservadora da Corte veja nesse momento uma oportunidade para reinterpretar o Humphrey’s Executor e, com isso, ampliar os poderes do presidente sobre o “Estado administrativo”.