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Inflação à vista? Preços ao produtor disparam e ligam sinal de alerta

Dólar alto pressiona custos de insumos aos produtores; FGV aponta que IPCA pode galopar no segundo semestre e encerrar o ano acima de 2%

Por Felipe Mendes Atualizado em 2 set 2020, 14h19 - Publicado em 2 set 2020, 13h14

A pandemia do novo coronavírus causou um descompasso na atividade econômica. Receosas com a longevidade da crise e a possibilidade do aumento do nível de desemprego, as famílias passaram a consumir menos. Agora, um outro problema aparece no retrovisor: a inflação, algo que pode surpreender a primeiro momento pelo teor deflacionário da crise. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o IBGE, os preços aos produtores dispararam em julho deste ano. O Índice de Preços ao Produtor (IPP), medido pelo órgão de pesquisas, teve a maior variação positiva de sua série histórica, iniciada em janeiro de 2014, com avanço de 3,22% entre junho e julho. No acumulado dos primeiros sete meses do ano, os números são ainda mais acentuados: alta de 7,28%. Em doze meses, o avanço identificado foi de 11,13%. Isso ainda não deve ser traduzido como inflação, e sim queima de margem para as empresas. Mas alguns setores já começaram a fazer repasses para o consumidor final.

Em julho de 2020, a variação média dos preços da indústria foi de 3,22%. As áreas mais afetadas, segundo o IBGE, foram as indústrias extrativas (14,46%), refino de petróleo e produtos de álcool (11,65%), fumo (4,69%) e perfumaria, sabões e produtos de limpeza (3,77%). Os setores de maior oscilação, em pontos percentuais, na passagem mensal foram: alimentos (0,90 p.p.), refino de petróleo e produtos de álcool (0,89 p.p.), indústrias extrativas (0,68 p.p.) e metalurgia (0,14 p.p.). No acumulado do ano, o IPP avançou 7,28% frente ao mesmo período de 2019, com destaque para a oscilação de bens de capitais (10,85%) e bens intermediários (9,29%).

O indicador mede a evolução dos preços de produtos nas indústrias extrativas e de transformação “na porta de fábrica”, sem impostos ou fretes. Com o dólar nas alturas, cotado a 5,36 reais atualmente, os valores dos insumos para a indústria começam a sofrer pressão. A tendência é que, ao menos num primeiro momento, esse aumento de custo na produção não seja repassado ao consumidor, até por conta da situação financeira das famílias, pressionada pela pandemia. Mas a inflação já existe. Está acumulada na “porta dos fundos”, segundo André Perfeito, economista-chefe da corretora Nécton. “Os números indicam um aumento de custo ao produtor, mas hoje ele não consegue repassar isso ao consumidor. Então, o que nós vemos é que existe uma inflação se acumulando na porta dos fundos das famílias. Isso sugere que, provavelmente, os índices de inflação devem subir mais à frente”, conjectura.

Dentre os setores do relatório divulgado na manhã desta quarta-feira, 12, o principal destaque é a performance das “indústrias extrativas“, que viu seus preços variarem em média 14,46% entre julho e junho — o quarto avanço consecutivo. No acumulado do ano, a alta é de 24,42%. O segmento de “alimentos” sofreu variação média de 3,69%, o maior aumento desde março, quando o índice avançou 4,23%. As pressões vieram de produtos como açúcar, carnes e miudezas de aves congeladas, resíduos de extração de soja e óleo de soja bruto. Já o segmento de “refino de petróleo e produtos derivados do álcool” obteve segundo mês de avanço consecutivo. Em julho, a variação frente ao mês anterior foi de 11,65%. Deve se destacar que o mercado foi bastante acometido pela queda na demanda de petróleo em meados de março, e a valorização dos insumos é um reflexo na retomada do preço do petróleo no mundo. O óleo diesel e a gasolina foram os produtos que mais impulsionaram o cálculo. Por fim, a “metalurgia” experimentou um acréscimo de 2,21% na mesma base comparativa, sexta valorização no ano.

São poucos os que acompanham com afinco o Boletim Focus. Publicado semanalmente, ele concentra as análises dos principais economistas do mercado financeiro e serve de termômetro para saber o que há pela frente. Na última segunda-feira 31, chamou a atenção a revisão da meta de inflação para o ano. A previsão para o IPCA, o índice de preços ao consumidor, passou de 1,71% para 1,77%. Parece um repasse tímido, mas é bom ficar de olho. “O aumento de preços ao produtor ainda é difícil de ser repassado até pelas condições da atividade e o impacto que eventuais reajustes podem ter ao volume de vendas”, diz André Braz, coordenador do Índice de Preços ao Consumidor (IPC), medido pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV/IBRE). “É natural que, com o reaquecimento da atividade econômica, que só deve acontecer em meados do ano que vem, isso se materialize em repasse nos preços ao consumidor”, complementa.

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Para itens de primeira necessidade, como alimentos, produtos de higiene pessoal e combustíveis, a pressão para repasse nos preços já existe. Até por isso, a FGV deve revisar sua projeção de inflação para o ano para cima. “Estamos com uma expectativa abaixo de 2% para o IPC deste ano. Mas pretendo rever isso para algo em torno de 2% ou até acima disso por conta dessa pressão que vem se formando ao produtor. Nós acreditamos que há espaço para aumentos nos preços ao consumidor em um menor espaço de tempo”, diz Braz. “No caso de produtos de uso imediato, como para higiene pessoal e alimentação, já existe aumento. Discreto, mas tem”. Ele avalia que matérias-primas usadas na indústria da construção também devem se encarecer. “Da pandemia para cá, o cobre e o alumínio se valorizaram acima de 30%. Esse aumento de preços nas matérias-primas vai pressionar a construção civil”.

Fernando Pimentel, presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil, a Abit, acredita que o momento é de cautela. Embora a confecção ainda não tenha sofrido pressão do avanço do dólar, uma parte da indústria já está sofrendo. “A desvalorização afeta ao custo da operação. Na indústria têxtil, excluindo-se confecção, mais de 80% dos custos são atrelados ao dólar, bens de capital, matérias-primas sintéticas, e por aí vai. Obviamente, essa desvalorização do real tem pressionado os preços. Agora, ainda não podemos dizer que isso vai desembocar no varejo de vestuário mais para frente”, diz ele. “O consumidor na ponta não vai dar guarida a isso. Ele vai trocar de produto e passar a consumir outras marcas. Nós ainda temos uma taxa de desemprego alta e uma queda de poder aquisitivo. Ou seja, ainda não enxergo esse tipo de chancela a qualquer aumento acima do que seria razoável no nosso mercado”.

De modo geral, a força do repasse vai se intensificar à medida em que as atividades forem se recuperando. Os mercados tidos como essenciais, que sofreram menos na fase mais aguda da pandemia, serão os primeiros a serem afetados.

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