Haddad muda de papel com Lula e critica alta da Selic: ‘remédio em excesso é contraproducente’
Segundo o ministro da Fazenda, juros já estão em "patamar restritivo"; críticas contrastam com Lula, que declarou ter "100% de confiança" em Galípolo no BC

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, criticou a decisão do Banco Central de elevar a taxa básica de juros, a Selic, em 1 ponto percentual, para 13,25% ao ano, na reunião desta semana. Em entrevista à Rede TV! na noite de quinta-feira 30, Haddad afirmou que os juros já estão em “um patamar que desacelera a economia”. Segundo o ministro, “se você já está com a Selic muito restritiva, remédio em excesso pode ser contraproducente.”
Haddad afirmou que o governo trabalha para gerar “crescimento sustentável, trazendo a inflação para a meta”. No ano passado, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor – Amplo (IPCA), que mede a inflação oficial, acumulou uma alta de 4,83%. Com isso, estourou a meta de 3% e sua margem de tolerância de 4,5%. O que era ruim pode piorar neste ano, já que o mercado financeiro projeta uma aceleração de preços, com o IPCA fechando em 5,50%.
Segundo o ministro, com a Selic no atual patamar, a equipe econômica já trabalha com uma freada do produto interno bruto (PIB), que deve crescer 2,5% neste ano, ante os 3,5% com que estima ter fechado o ano passado. A redução do ritmo ocorre, segundo Haddad, “justamente para acomodar as pressões inflacionárias”.
Isso não significa que o governo pretenda reduzir as estimativas de crescimento para 2%, número em que a maioria do mercado aposta. Na entrevista à Rede TV!, Haddad afirmou que acredita que o Brasil ainda pode crescer 2,5% e reduzir a inflação ao mesmo tempo nos próximos meses.
Haddad critica e Lula afaga Galípolo
Esta é a primeira vez que Haddad critica abertamente a decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central, que realizou sua reunião inaugural sob o comando do novo presidente, Gabriel Galípolo, e é composto por uma maioria de diretores indicados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Além disso, Galípolo foi o secretário-executivo do Ministério da Fazenda no início da gestão de Haddad e contribuiu para a criação do arcabouço fiscal que substituiu o teto de gastos criado no governo de Michel Temer.
As críticas de Haddad marcam, ainda, uma inversão de papéis com Lula. Ontem, o presidente concedeu uma entrevista coletiva de uma hora e meia e declarou ter “100% de confiança” no trabalho de Galípolo. Segundo Lula, “o presidente do Banco Central não pode dar um cavalo de pau, num mar revolto, de uma hora para outra”. Como se sabe, a decisão de elevar a Selic para 13,25% nesta semana já fora sinalizada no comunicado de dezembro, quando o último Copom comandado por Roberto Campos Neto aumentou os juros de 11,25% para 12,25% e sinalizou com duas altas de igual magnitude nos encontros de janeiro e março.
“Nós, como governo, temos que cumprir nossa parte, a sociedade cumpre sua parte, e o companheiro Galípolo cumpre a parte dele”, acrescentou. O presidente afirmou, ainda, que, ao convidar o economista para comandar o BC, lhe disse que o considerava um amigo, mas que, no papel de presidente da autoridade monetária, teria toda a independência para tomar as decisões necessárias. Como prova de que a autonomia do BC não seria apenas um jogo de cena, Lula lembrou que Henrique Meirelles, que presidiu a autarquia durante seus dois primeiros mandatos, agiu com independência, mesmo que, na época, não houvesse uma lei que a assegurasse e o BC fosse submetido, formalmente, ao Ministério da Fazenda.
A história não é, necessariamente, verdade. Meirelles afirmou na autobiografia publicada no ano passado que, em meados de 2006, Lula lhe telefonou pedindo para baixar os juros. O banqueiro se negou e cobrou o acordo que fizeram, quando foi convidado para o posto — o de agir com independência. Meirelles não cortou a Selic na ocasião e, segundo ele, Lula nunca mais tocou no assunto.
Lula também foi um crítico implacável do antecessor de Galípolo no BC, Roberto Campos Neto, desde a campanha eleitoral de 2022. Em diversas ocasiões, hostilizou publicamente o indicado por Jair Bolsonaro e levantou dúvidas sobre a independência com que liderava o banco. Em uma ocasião, declarou que Campos Neto não entendia “absolutamente nada do Brasil.”