“Estou de volta”, diz fundadora da rede de lojas Tok&Stok
Ghislaine Dubrule, 73 anos, explica por que retomou o comando da empresa
Em 2012, eu e meu marido vendemos 60% de nossa participação na Tok&Stok, empresa que criamos em 1978 com muito suor. Na ocasião, insisti para permanecer à frente do dia a dia dos negócios e participar da transição. A ideia era que esse processo durasse um ano, mas acabou levando cinco, exatamente a quantidade de filhos que tenho — considero a Tok&Stok o meu sexto filho.
Durante esse período, nunca entregamos resultado negativo. A operação funcionava bem, mas em 2017 o fundo que havia comprado a nossa participação quis abrir o capital da empresa e achou que a minha saída valorizaria as ações. O objetivo era contratar um profissional de mercado, com experiência em IPO e negociação com bancos. Para mim, foi muito difícil. Quase caí em depressão. Eu gostava da companhia, de ver o seu crescimento e de estar ao lado de minha equipe.
Eu soube que as pessoas com quem trabalhava sentiram minha saída. Foi muito difícil não estar mais com elas. Nesse período, nossa participação se limitava às reuniões de conselho, mas sem voz ativa. A carta branca para os novos profissionais — foram cinco gestores até o meu retorno e todos eles tinham perfis diferentes — era absoluta. Não havia muita coisa que eu pudesse fazer.
Mas agora estou de volta, após a Tok&Stok ter enfrentado tempos difíceis. Eu me ofereci para retornar e os acionistas concordaram. É difícil explicar o que me motivou. São muitos fatores. Um deles é que eu precisava colocar a empresa nos trilhos. Tem a parte emocional, certamente. Todo mundo falava que eu estava maluca de voltar, mas acho que tem também um pouco de instinto materno. No fundo, até demorei para fazer isso.
O que houve com a Tok&Stok é que foi feito um plano de negócios muito agressivo, com alta alavancagem e endividamento, fatores que levaram a uma situação de grande fragilidade. Num período de pujança econômica até poderia dar certo, mas o Brasil é oscilante. A economia desacelerou, os juros dispararam e o pós-pandemia não representou a volta do consumo que se esperava.
Tudo isso machucou a empresa. A ousadia às vezes é boa, mas nem sempre dá retorno. Talvez até por isso passaram tantos gestores pela companhia, que se deram conta de que os resultados planejados não seriam alcançados tão rapidamente. Eu tentei alertar sobre os riscos — afinal, eu e meu marido tocamos a companhia por quarenta anos e enfrentamos muitas crises no Brasil —, mas acho que não fui ouvida.
Como todos os concorrentes, os controladores preferiram ir pelo caminho da digitalização e da tecnologia, mas esse mercado é uma verdadeira guerra. Tudo virou uma planilha Excel impessoal e asséptica. Afinal, é exatamente o que o mercado valoriza: crescimento das vendas e não resultados sustentáveis. Garanto a você que a Tok&Stok não é isso. Ela entrou no mercado brasileiro revolucionando o setor com design acessível, lúdico e atraente.
O que pretendo fazer? Meu trabalho é resgatar a imagem de uma marca que é rebelde e colorida, que não segue forçosamente os padrões definidos pelo mercado. O digital tem seu espaço, mas o físico também tem. Não vamos vender produtos simplesmente por vender. Essa filosofia nos contaminou. Somos curadoria, seleção e tendência. Meu sonho, do ponto de vista de negócios, é fazer um bom trabalho para que essa empresa volte ao lugar em que ela sempre esteve e em que não deveria ter deixado de estar. É o que a marca merece. E sonho então entregá-la um dia para pessoas que possam dar continuidade a isso. Outro sonho, este mais pessoal, é registrar toda essa incrível jornada em um livro. De preferência, bem colorido.
Ghislaine Dubrule em depoimento dado a Pedro Gil
Publicado em VEJA de 24 de novembro de 2023, edição nº 2869