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Em ‘agonia’, sindicatos demitem e vendem imóveis para sobreviver

Com queda brutal de arrecadação após reforma trabalhista, entidades relatam perseguição à atuação e veem existência ameaçada

Por Diego Freire Atualizado em 23 nov 2018, 15h38 - Publicado em 22 nov 2018, 14h01

Vigente há um ano, a reforma trabalhista ainda não trouxe resultados relevantes em termos de geração ou formalização de empregos. Enquanto especialistas dizem que o tempo é curto para medir seus resultados práticos, uma das consequências da nova legislação já pode ser observada nitidamente: a crise dos sindicatos. Com o fim da obrigatoriedade do pagamento da contribuição sindical, essas entidades hoje enfrentam dificuldades financeiras sem precedentes, recorrendo à venda do próprio patrimônio e à demissão de funcionários para se manterem.

Antes da mudança, trabalhadores eram obrigados a colaborar anualmente com um dia de salário em benefício do sindicato de sua respectiva categoria. Atualmente, o pagamento é optativo. Segundo dados do Ministério do Trabalho, os valores pagos por meio de imposto sindical caíram cerca de 85% (no acumulado de janeiro a setembro, foram arrecadados 1,9 bilhão de reais, em 2017, e 276 milhões de reais, em 2018). Apesar da queda brusca na receita, o número de sindicatos teve leve alta, de 16.517 no último ano para 16.663 na parcial mais recente.

De um lado, sindicalistas denunciam um “crime”, enquanto apoiadores do fim da arrecadação compulsória se dizem em defesa da “liberdade” do trabalhador. “A legislação eliminou o custeio dos sindicatos, sem nenhuma transição ou verba que substitua, foi um crime. Seguimos dando assistência jurídica gratuitamente, promovemos uma série de atividades coletivas, fazemos negociações que beneficiam tanto associados quanto não associados… e não podemos ter nosso custeio”, expõe Ricardo Patah, presidente da UGT (União Geral dos Trabalhadores) e do Sindicato dos Comerciários de São Paulo.

O sindicato presidido por Patah é justamente um símbolo do momento delicado: apesar de contar com uma base de mais de 450 mil trabalhadores e quase 80 anos no existência, enfrenta dificuldades para se viabilizar financeiramente e vendeu uma sede na rua Santa Ifigênia, região central de São Paulo, por 10,3 milhões de reais no último mês de junho. A venda ocorreu pouco antes de o STF votar a questão do fim do imposto obrigatório, mantendo o padrão de contribuição facultativa. “Estamos nos adaptando à nova ordem, diante desse crime de não haver tempo de transição e toda a demagogia de que ‘nada pode ser obrigatório’. A política veio para cima do movimento sindical”, desabafa.

Deputado combate ‘monopólio’ e quer  ‘darwinismo sindical’

Autor do projeto de lei que incluiu o item sobre a contribuição sindical na reforma trabalhista, o deputado federal Paulo Martins (PSC-PR) classifica como “patéticos” os argumentos dos sindicalistas. “Isso é ridículo, que tempo de transição eles pedem? Recebem dinheiro desde 1937, não se prepararam? Não deu tempo? O que eles querem é a manutenção da ‘teta’. Desmamar é mais difícil do que procurar retomar a ‘teta’ para continuar mamando. Querem subterfúgios jurídicos para manter esse regime que era um sustentáculo para aparatos do poder”.

Suplente na legislatura anterior, Martins foi eleito para um novo mandato e prepara projetos relacionados ao tema a serem apresentados já no início de 2019: “primeiro nós acabamos com esse absurdo de imposto compulsório, o trabalhador tem que pagar por aquilo que acha útil, é uma questão de liberdade. O próximo passo é dar fim à unicidade sindical. Essa história de que quando um sindicato recebe autorização de representar uma categoria, não podemos ter outro na mesma área. É assim que o sindicalista vira um ‘rei’, tem o monopólio e quem está descontente não tem opção. Quero que haja concorrência e o trabalhador possa escolher ser representado pelo sindicato que cobrar menos e entregar mais, ou até mesmo nem ter sindicato. Isso é liberdade, é o que chamo de ‘darwinismo sindical’, os melhores sobrevivem”.

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Martins diz que as medidas não visam acabar com a representação social, mas sim aprimorá-las. “Acabando com o ‘monopólio’ de alguns, estamos lutando pela liberdade dos próprios sindicatos, e o trabalhador poderá contribuir voluntariamente se for bem representado. Sindicatos são importantes quando de fato lutam por direitos coletivos, mas o problema é quando atuam como braço de um partido. Foi assim com Getúlio Vargas, e por isso mesmo foi criado o imposto sindical. Depois se tornaram braço do `lulopetismo`, se focam na política e prejudicam os trabalhadores”, avalia. “A própria CUT e o Lula defendiam o fim da contribuição sindical no passado, entendiam que com imposto os sindicatos se tornariam aparelhos do governo.”

Sindicatos demitem funcionários e vendem imóveis

Presidente da CUT (Central Única dos Trabalhadores), Vagner Freitas nega qualquer contradição no discurso da entidade. “A CUT é sim contra o imposto sindical, nasceu dizendo isso. Mas defendemos que outra forma de contribuição seja discutida com os trabalhadores para que continuem sendo representados. Os sindicatos não conseguem sobreviver apenas com seus associados no Brasil, um país onde trabalhadores são pressionados e podem ser demitidos quando se sindicalizam. Se houvesse autonomia, talvez não precisássemos de outra fonte, mas existe perseguição”, afirma.

Freitas relata uma queda de arrecadação de cerca de 80% da CUT no último ano, o que culminou em um plano de demissão voluntária com a saída de aproximadamente 45% dos funcionários em âmbito nacional. Como medida para levantar recursos, a entidade tenta a venda da sua sede no Brás, centro de São Paulo. No início do ano, houve negociação do terreno com a Igreja Mundial do Poder de Deus, liderada pelo pastor Valdemiro Santiago, que estaria disposta a pagar 40 milhões de reais pelo imóvel.

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“Houve essa negociação com a igreja, o que seria bom para as duas partes, mas não se concretizou. Hoje estamos em busca de novos interessados, queremos mudar para um lugar mais barato, não acho que diminuir a estrutura seja um grande problema. O mais grave é não ter recursos para lutar pelos direitos dos trabalhadores, temos todo um custo para contratar advogados, por exemplo. Ou para fazer um comício, que necessita de estrutura de som e demanda gastos com gasolina. Sem arrecadação, perdemos essa condição”, conta o sindicalista.

Organizada de forma similar à CUT e dependente de contribuições dos próprios sindicatos, a Força Sindical viu sua arrecadação despencar de 50,9 milhões de reais, em 2017, para 4,7 milhões de reais, neste ano. O quadro de funcionários caiu de 150, com atuação em todo o Brasil, para 16 – todos em São Paulo. Segundo o secretário-geral da organização, João Carlos Gonçalves, o “Juruna”, a sede, localizada no bairro paulistano da Liberdade, hoje se encontra à venda, seguindo o exemplo do resto da classe.

“Estão criminalizando o poder do trabalhador. O sindicato atende a todos os trabalhadores e suas conquistas beneficiam a todos. A reforma trabalhista se propôs a fortalecer o negociado sobre o legislado, mas quebrou as instituições que representam os trabalhadores na negociação. No momento temos que cortar custos, demitir funcionários e até médicos que atendem nos ambulatórios”, comenta Juruna.

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Projeto propõe regulamentar a cobrança assistencial

Vinculado à Força Sindical, o deputado Bebeto Galvão (PSB-BA) é autor de proposta que regulariza a contribuição negocial, projeto apoiado por grande parte do movimento sindical como uma alternativa à queda de receitas. A finalidade se assemelha ao projeto de lei descrito a Veja pelo deputado Ronaldo Nogueira (PTB-RS), ex-ministro do Trabalho na época da aprovação da Reforma Trabalhista.

“A reforma trabalhista não previa alteração na estrutura sindical, mas houve pressão de um clube de parlamentares, pois os sindicatos são a parte do movimento social brasileiro que mais realiza críticas sobre posições políticas. Da forma que ficou, o poder econômico prevalece sobre o equilíbrio das negociações entre patrões e empregados. Os defensores dizem que a reforma trabalhista fortalece os sindicatos, que podem negociar praticamente tudo: jornada de trabalho, férias, PLR… mas como vão fazer isso tudo se a lei impõe limites para que eles se financiem?”, questiona o deputado.  

A proposta prevê que seja regularizada a “contribuição negocial”, também denominada como “assistencial”, já estipulada por alguns sindicatos. O valor seria aprovado anualmente, em assembleia à qual todos os trabalhadores de uma categoria seriam convocados, podendo variar a uma cobrança mensal de 0,1% a 1% do salário. No mesmo dia da assembleia, trabalhadores opostos à cobrança aprovada poderiam apresentar uma carta que os isentaria do pagamento. Os ausentes não teriam ferramentas para impedir a taxação, de acordo com o projeto original.

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“A contribuição negocial não é impositiva, o trabalhador presente na assembleia pode se opor a pagar, e o valor é votado anualmente de acordo com as conquistas do sindicato. Assim, damos autonomia coletiva e permitimos que os sindicatos se sustentem financeiramente. Deve haver ampla publicização para que os trabalhadores estejam cientes e compareçam às votações, afinal as conquistas da categoria não são apenas dos sindicalizados. Quem se omitir, também deve ter responsabilidades”, pondera Galvão.

Contrário ao projeto, o deputado Paulo Martins (PSC-PR) considera a proposta “um abuso”: “as assembleias não conseguem reunir toda a categoria, é impossível. Com a contribuição negocial elas estabelecem uma pena para quem não estava presente. Qualquer contribuição que você impõe é uma pena, um sacrifício financeiro. Isso é ilegal e certamente os tribunais superiores vão derrubar. De forma nenhuma pode haver algo impositivo, devemos proporcionar liberdade ao trabalhador – decidir se vai querer pagar ou não”.

Entidades buscam reverter quadro com “modernização”

Na visão de Vagner Freitas, da CUT, apenas com pressão popular medidas em prol dos sindicatos poderão ser aprovadas no Congresso Nacional. “Temos um Congresso altamente conservador, dominado pelos empresários, e o próximo será assim também. Sabemos qual é o interesse dos congressistas, que é diferente do dos trabalhadores, mas a pressão vinda de fora pode mudar a opinião deles. A Reforma da Previdência está aí de exemplo: eles querem votar, mas não têm coragem porque o povo é contra. A mesma coisa vale para a questão do financiamento sindical, que só terá eco no Congresso caso os trabalhadores entendam que é uma questão importante para eles, já que apenas os sindicatos lutarão por seus direitos”.

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Todos os sindicalistas ouvidos pela reportagem criticam o que chamam de “prática anti-sindical” em andamento no país. “Não podemos aceitar que os trabalhadores desconheçam os sindicatos e o que eles fazem, mas querem que seja assim. Muitas empresas estimulam os funcionários a manterem distância dos sindicatos, como se fossem inimigos. Houve caso de quem pagou ônibus para os trabalhadores irem até o sindicato assinar carta de oposição à contribuição”, relata Ricardo Patah, da UGT.

Diante da crise financeira, as entidades têm se mobilizado para se fortalecer. A própria UGT inicia, ainda em novembro, uma série de reuniões regionais para debater a “reestruturação sindical”, visando atrair novos associados. Eventos como os mutirões de emprego têm sido utilizados para divulgação dos trabalhos sindicais e campanhas de filiação.

Embora não abram detalhes sobre as medidas que adotarão, os sindicatos querem buscar um trabalho conjunto de renovação para sobreviver. “Só com as contribuições normais, não vamos conseguir subsistir. Precisamos de outro tipo de prestação de serviços, temos que nos modernizar. Estamos discutindo algumas modalidades que existem fora do Brasil, mas são questões ainda iniciais e que são temas polêmicos dentro dos próprios sindicatos. O que não podemos é depender desse Congresso conservador e governo fascista, temos que nos solidarizar”, indica o presidente da CUT. 

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