Efeito Trump no Brasil: o que fica mais barato ou mais caro com o tarifaço
Medida de 50% entra em vigor em 6 de agosto; isenções se concentram em petróleo, celulose e aviação civil; café e carnes seguem taxados

O impacto imediato do tarifaço nos preços aqui no Brasil deve ser misto: carnes, frutas e café e o etanol tendem a baratear no curto prazo pontualmente por sobra de oferta no mercado interno. Petróleo e derivados, celulose, itens de aviação civil e suco de laranja ficaram isentos e não devem pressionar preços locais; por outro lado, um câmbio mais fraco e custos logísticos maiores podem encarecer importados e insumos dolarizados. A tarifa de 50% está prevista para entrar em vigor em 6 de agosto.
Com a lista de exceções ao tarifaço divulgada, o diagnóstico inicial do economista Leonardo Costa do ASA, instituição financeira, é que cerca de 30% das exportações brasileiras aos Estados Unidos, aproximadamente 12 bilhões de dólares no acumulado de 12 meses até junho de 2025 , devem ficar isentas da tarifa de 50%.
Esse quadro pode mudar já que entrada em vigor da medida foi postergada para 6 de agosto, deixando algum espaço para negociação. Nesta quinta-feira, 31, o ministro Fernando Haddad, disse que o governo continua na mesa de negociação e que o plano para atenuar os efeitos da taxação extra sobre os produtos brasileiros será lançado nos próximos dias.
Economista Livio Ribeiro, pesquisador do Ibre FGV e sócio da consultoria em negócios e comércio internacional BRCG, destaca que o efeito sobre balança comercial brasileira é ainda menor do que o previsto. “É um impacto mais aguado”, diz .”Mal vai dar para ver o efeito”. Para os setores que vão ser taxados, ele destaca que proteína animal e etanol podem ficar mais baratos em curto prazo. “O setor que não fica isento que vai acabar ajudando no curto prazo numa desinflação doméstica pontualmente”, diz.
Do lado dos setores que vão pagar o pato do tarifaço, nove itens respondem por cerca de um quarto do valor a ser tarifado, com destaque para os semimanufaturados de ferro e aço de baixo teor de carbono e o café em grão não torrado e não descafeinado, que juntos representam algo próximo de 12% das vendas brasileiras aos EUA, segundo o cálculo do ASA.
Embora alguns itens de aeronaves não apareçam literalmente no texto, a referência à General Note 6 (aviação civil) sugere que aeronaves e partes de maior peso na pauta também fiquem fora da tarifa. Dentro desse grupo poupado do tarifaço, oito produtos respondem por cerca de 90% do valor isento. São eles: óleos brutos de petróleo; ferro-gusa; pastas químicas de madeira à soda ou ao sulfato (semibranqueadas ou branqueadas) de não coníferas, exceto para dissolução; querosene de aviação; partes de aviões e helicópteros; suco de laranja congelado; pasta química de madeira para dissolução; e bullion doré em formas brutas para uso não monetário, segundo Costa.
Como o tarifaço afeta os preços no Brasil
A direção dos preços dependerá do balanço entre redirecionamento de exportações, câmbio e custos logísticos. Em setores sem isenção e com forte dependência dos EUA, parte da produção pode ser escoada no mercado interno, aumentando a oferta doméstica e pressionando preços para baixo no curto prazo. Mas, um real mais fraco, se o mercado precificar menor entrada de dólares, tende aumentar os preços dos importados e pode anular parte da deflação, segundo analistas.
Denis Medina, professor da Faculdade do Comércio e economista, vê maior potencial de queda de preços em carnes e frutas, itens que ficaram fora das exceções. “Se os produtos ficarem mais caros para os Estados Unidos, eles compram menos; sobra oferta aqui e o preço tende a cair”, diz.
Para Medina o café, cujo preço no Brasil subiu 80% em um ano, tende a ter uma flutuação de menor. Brasil produz 35% de todo o café que os Estados Unidos compram. Dados apresentados pelo Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé) mostram que a representatividade do café é maior para a economia americana do que para a brasileira e que produção mundial de café está aquém do consumo. Por isso, se eventualmente um país se beneficiar dessas tarifas e passar a vender mais para os Estados Unidos, o Brasil vai herdar algum mercado que ficar desabastecido com a mudança.
Daniel Teles, especialista e sócio da Valor Investimentos, destaca que a leitura era de efeito deflacionário nos setores mais dependentes do mercado americano, por conta do aumento de oferta interna. Com a inclusão de exceções relevantes , como suco de laranja e, em alguns casos, mel, parte desses fluxos pode ser rapidamente restabelecida para os EUA, reduzindo a pressão baixista doméstica nesses itens.
Para Roberto Padovani, economista-chefe do banco BV, o tarifaço tende a produzir um efeito desinflacionário: tarifas reduzem exportações, arrefecem atividade e renda, e, com menor demanda, a pressão de preços diminui. No Brasil, ele projeta impacto pequeno e setorial, suficiente para aliviar marginalmente a inflação e ajudar o BC. Padovani avalia que um forte redirecionamento na agricultura é improvável; o café é o caso mais sensível, sujeito a negociações de exceção. Em industriais pode haver algum ganho, mas o efeito agregado é difícil de mensurar.
“A experiência mostra que tarifas costumam ser desinflacionárias: exporta-se menos, a atividade e a renda arrefecem e a pressão de demanda diminui. No Brasil, esperamos um impacto pequeno e setorial, que ainda assim tira um pouco de pressão da inflação e ajuda o Banco Central. Na agricultura, é improvável um redirecionamento forte; o café é o caso mais sensível. Em industriais pode haver algum ganho, mas o efeito agregado é difícil de calcular”, diz o economista.
Otávio Araújo, consultor sênior da Zero Markets Brasil cita queda ou menor alta de preços de carnes bovinas e de frango, alguns tipos de açúcar, etanol, calçados, têxteis e outros manufaturados, ainda que exportadoras tentem redirecionar excedentes a novos mercados. Já em produtos isentos, como petróleo, gás e polpa/suco de laranja, a demanda externa deve seguir firme, limitando alívios internos e podendo até pressionar preços se a cotação internacional subir, segundo ele.
Uma desvalorização do câmbio elevaria custos de importados e insumos dolarizados (eletrônicos, combustíveis, fertilizantes, defensivos), enquanto um eventual movimento de reciprocidade tarifária pelo Brasil teria efeito inflacionário mais amplo. “Caso o Brasil adote a reciprocidade, o efeito seria inflacionário,” diz Araújo.
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