“É preciso acabar totalmente com o uso de combustíveis fósseis”, diz cientista
O físico Paulo Artaxo diz que não será possível conter as mudanças climáticas sem eliminar a queima de derivados de petróleo
O físico Paulo Artaxo, renomado especialista em mudanças climáticas e professor do Instituto de Física da USP (Universidade de São Paulo), diz que o Brasil atravessa um momento crucial diante da crise climática. Segundo Artaxo, não se trata mais de pensar no futuro: os efeitos das mudanças climáticas já são sentidos no país, o que exige respostas imediatas e robustas. Entre elas, zerar o desmatamento e acabar de vez com a exploração e o uso de combustíveis fósseis. “Enquanto isso não for feito, qualquer medida de combate às mudanças climáticas globais vai ser um mero paliativo”, disse Artaxo em entrevista ao programa VEJA+Verde.
O cientista aponta que o Brasil é particularmente vulnerável por diversos fatores. O país já opera no limite do conforto térmico para a saúde da população, ao contrário de regiões temperadas. A produção agropecuária, pilar da economia nacional, é cada vez mais ameaçada pela irregularidade das chuvas e pelo aumento de eventos extremos.
Artaxo destaca que já se observam prejuízos concretos, como perdas agrícolas motivadas por falta de chuvas e ondas de calor, sobretudo no Cerrado e no sul da Amazônia. Soma-se ainda a vulnerabilidade das cidades costeiras, como Recife, Rio de Janeiro e Vitória, que no futuro serão impactadas pelo aumento do nível do mar. Ele enfatiza a necessidade de ações imediatas: adaptar o agronegócio, garantir resiliência hídrica e revisar a infraestrutura das cidades e dos sistemas de saúde para fazer frente aos novos desafios climáticos.
O setor energético também corre riscos, pois uma parcela significativa da eletricidade brasileira é produzida por hidrelétricas, suscetíveis a alterações no regime de precipitações, o que compromete a geração e a estabilidade do fornecimento. Por outro lado, o país tem uma “oportunidade de ouro”: com enorme potencial para energia solar e eólica, o Brasil pode — e deve — liderar globalmente esse processo, escolhendo entre um futuro renovável e sustentável ou mantendo-se dependente de combustíveis fósseis, caros e poluentes.
O pesquisador também chama a atenção para o desmatamento, responsável por quase metade das emissões de gases de efeito estufa no Brasil, sobretudo na Amazônia. Zerar o desmatamento até 2030, diz Artaxo, é plenamente viável e traria ganhos ambientais e sociais, assegurando serviços ecossistêmicos fundamentais como a regulação do ciclo da água.
Sobre a COP30, que vai acontecer em novembro em Belém (PA), Artaxo vê o evento como uma chance histórica, defendendo que já não há espaço para novos compromissos, mas sim para a implementação do que já foi acordado em negociações anteriores. Ele destaca iniciativas em andamento, como a formação de fundos internacionais para a conservação da floresta e o desenvolvimento da bioeconomia amazônica, ressaltando que a preservação deve ser estratégica e garantir dignidade e oportunidade à população local.
A adaptação ao novo cenário é urgente, afirma o cientista. Entre as ações prioritárias estão a reformulação dos sistemas de drenagem para enfrentar chuvas intensas, o aumento de reservatórios para assegurar o abastecimento hídrico e o fortalecimento do sistema de saúde contra eventos extremos, como ondas de calor e enchentes.
“O enfrentamento à crise climática requer um esforço enorme da sociedade brasileira como um todo, não só do governo federal, mas dos governos estaduais, dos governos municipais, da iniciativa privada e do judiciário brasileiro”, diz Artaxo. Ele defende a necessidade de transformar compromissos em ações concretas e mudar o modelo de desenvolvimento brasileiro para promover uma economia próspera, justiça social e preservação ambiental, tendo a COP30 como marco de implementação desse novo caminho.
O Veja+Verde, conduzido pelo editor Diogo Schelp, traz empresários, personalidades, gestores públicos e especialistas para apresentar suas visões e soluções sobre um dos maiores desafios para a sobrevivência da humanidade: conciliar desenvolvimento econômico e social com preservação do meio ambiente.
Em sua primeira temporada, o Veja+Verde tem como principal mote as discussões que serão levadas por governos, empresas e organizações ambientais para a COP30.
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