É hora de comprar? Mercados sob pressão podem oferecer boas oportunidades
Mercados em baixa — como está o Brasil hoje — geram mais oportunidades de compra do que quando há altas vigorosas
No último 28 de junho, um alto dirigente da Apple no Brasil se reuniu com empresários e executivos brasileiros no majestoso hotel Palácio Tangará, em São Paulo, para discutir o futuro da inteligência artificial. Ninguém quer ficar de fora do que parece ser a próxima revolução no mercado, um fenômeno que já fez a fabricante americana de chips Nvidia chegar ao grupo das companhias mais valiosas do mundo em bolsa, ao lado de Microsoft, Google e da própria Apple. “Eu acho estranho esse movimento”, disse o executivo aos presentes. “O valuation (avaliação de preços) dessas empresas está fora de sentido.” A frase gerou burburinho na plateia. Afinal, até que ponto uma empresa realmente vale o preço que os investidores estão dispostos a pagar por ela? E mais: se ela não vale a cotação que está na tela dos investidores, é hora de vender ou comprar o papel?
O cenário serve para ilustrar um debate sobre uma das mais tradicionais escolas de investimento do mundo: o value investing, ou investimento de valor. A filosofia é relativamente simples: comprar ações cujo preço esteja abaixo de seu valor intrínseco. O que não é tão fácil é justamente determinar qual é o valor — a pergunta a que investidores dedicados à modalidade mais gastam energia para responder. Cálculos matemáticos muitas vezes considerados complexos pelo pequeno investidor são usados para determinar o valor de uma ação, mas a principal premissa por trás desse tipo de abordagem é investir em empresas em que o investidor confia e quer ter na carteira no longo prazo, porque serão rentáveis. “Nós olhamos menos para as cotações e mais para a qualidade do negócio em que investimos”, afirma Cesar Paiva, fundador e gestor da casa Real Investor. “Se eu comprei ações a um preço atrativo e me tornei sócio de um bom negócio, que está aumentando a receita, o lucro, o patrimônio e pagando dividendos, o preço da ação vai convergir para o seu valor.” Entre as queridinhas do portfólio de Paiva estão a administradora de shoppings Allos e a seguradora Porto Seguro.
Para um adepto de investimento de valor, mercados em baixa — como está o Brasil hoje — geram mais oportunidades de compra do que quando há altas vigorosas. A tendência da maioria das pessoas é vender ações em períodos de crise e comprar em fases de euforia, quando os preços estão subindo. Já os investidores de valor fazem o movimento inverso: vendem quando a maioria está comprando e compram quando a massa está vendendo, em períodos de crise. “Estamos vivendo um momento em que, sim, dá para comprar boas ações e baratas”, afirma Florian Bartunek, sócio da gestora de investimentos Constellation.
Na década de 1990, três ex-sócios do banco Garantia — Beto Sicupira, Marcel Telles e Jorge Paulo Lemann — fundaram a Utor Investimentos e convidaram Bartunek a deixar o Banco Pactual para gerir seus recursos. Em 2002, a Utor passou a se chamar Constellation e a receber aportes de outros clientes — e Bartunek seguiu à frente da gestão, com a mesma filosofia que o consagrou. Na carteira atual do fundo figuram empresas como Equatorial, Nubank e Mercado Livre. “Nada garante que estamos no ponto mais baixo da bolsa e que os preços vão subir, mas o que posso garantir é que as probabilidades de ganhar dinheiro são muito boas hoje”, diz Bartunek. “O Brasil, com sua volatilidade, dá essas oportunidades.”
Os números atestam a veracidade desse conceito. Segundo levantamento realizado por VEJA, nos últimos dez anos um grupo de vinte gestoras independentes de ações tiveram, em conjunto, um retorno médio de 211%, ante evolução de 122% do Ibovespa, principal índice da bolsa brasileira. Guardadas algumas particularidades, todas comungam do objetivo de comprar papéis de boas companhias com preços atraentes. “O que torna mais difícil o investimento no Brasil é o fato de haver menos opções de companhias nas quais investir de acordo com as nossas regras”, afirma Camilo Marcantonio, fundador da gestora Charles River, que investe em companhias de setores diversos como BrasilAgro, Tupy e Banco ABC. “O mais importante é que oportunidades de bons investimentos sempre existem.”
Algumas das contas que gestores fazem para chegar ao valor intrínseco de uma ação incluem artifícios da análise fundamentalista, como a avaliação de fluxos de caixa futuros da companhia, estimados com base em informações financeiras retiradas de balanços, por exemplo. É comum também o uso dos chamados múltiplos, uma razão que relaciona um indicador de mercado, como o preço, com um indicador financeiro, como lucro ou valor patrimonial. “Buscamos investimentos em que, mesmo que a evolução da empresa não seja brilhante, dificilmente perderemos dinheiro porque pagamos barato o suficiente para aguentar desaforo”, afirma Alexandre Rezende, sócio fundador da gestora Oceana Investimentos, que tem Equatorial e Iguatemi entre as empresas preferidas. O que Rezende descreve é o famoso conceito de margem de segurança, que representa a diferença entre o preço e o valor da ação. Uma vez que, nos cálculos do investidor, o preço da ação está bem abaixo do valor, a probabilidade de ganhar com a alta compensa correr o risco de perdas, caso ele esteja errado.
A filosofia pode parecer nova aos ouvidos de investidores de primeira viagem, mas o value investing é uma das mais antigas escolas do mercado de ações. A abordagem surgiu com Benjamin Graham, economista inglês que revolucionou o modo de investir em Wall Street, o centro financeiro de Nova York, ao separar a figura do especulador, que busca ganhos de curto prazo, do investidor de longo prazo. “Se quiser testar sua sorte na especulação, separe uma parte — quanto menor, melhor — de seu capital em uma conta específica para esse propósito”, escreveu Graham no seu famoso livro O Investidor Inteligente, lançado em 1949. “Nunca misture suas operações especulativas com seus investimentos, tampouco em qualquer parte de seu pensamento.”
As ideias de Graham foram replicadas por um de seus alunos, hoje entre os mais proeminentes investidores do mundo: Warren Buffett. À frente da companhia de investimentos Berkshire Hathaway, Buffett alcançou retornos exponenciais replicando e, em certa medida, aprimorando as premissas de Graham. Em quase sessenta anos de empresa, a companhia de Buffett registrou um crescimento médio anual de cerca de 20%, o dobro da média do índice S&P 500, da bolsa de Nova York, no intervalo. A receita é simples: escolher bem e saber esperar em vez de tentar acertar o momento de alta das ações — nos últimos dez anos, um investidor que tenha perdido o melhor pregão do Ibovespa em cada ano colheu ganho de 26%, ante 120% obtidos por aquele que permaneceu firme no investimento.
O mercado das décadas de 1950 e 1960 certamente oferecia mais assimetrias de preço e valor dos ativos, a ponto de trazer oportunidades apetitosas para os primeiros exploradores das ideias de Graham e Buffett. Para os investidores adeptos do investimento de valor, porém, isso não significa que esse pensamento está datado — mesmo em um mercado financeiro menos desenvolvido como é o Brasil. “Aqui, onde há mais risco e incertezas regulatórias, políticas e econômicas, a ideia de comprar empresas baratas faz até mais sentido porque você está sendo mais conservador”, diz Luiz Fernando Araújo, presidente da gestora Finacap, que tem papéis de Gerdau, MRV e Vale como grandes apostas do portfólio. Para quem sabe o que está comprando, a instabilidade da bolsa de valores pode significar muito mais uma vitrine de lucros e oportunidades do que apenas uma exposição de perdas.
Publicado em VEJA, julho de 2024, edição VEJA Negócios nº 4