Do petróleo aos biocombustíveis: a expansão da bp no Brasil
A britânica bp aumenta a aposta no etanol brasileiro para a transição energética. E vai investir também em biometano

No fim de 2024, a britânica bp decidiu comprar a metade que pertencia à americana Bunge na sociedade BP Bunge, uma das maiores produtoras de biocombustíveis do país. O negócio, que custou 1,4 bilhão de dólares, tornou os ingleses controladores de 100% da empresa, agora chamada bp bioenergy.
Com a aquisição, a companhia passou de 200 para 9.000 funcionários no Brasil e aumentou sua produção global de etanol. Hoje, ela já tem capacidade para produzir 51.000 barris por dia de etanol equivalente, considerando a produção de etanol, açúcar e bioeletricidade — e pretende aumentar esse volume. Neste ano, a empresa aprovou a expansão de uma de suas usinas em Tocantins, com um investimento de aproximadamente 530 milhões de reais para ampliar a capacidade de produção. Outro investimento envolve um projeto de irrigação, que, desde 2020, já recebeu 140 milhões de reais e, de 2026 a 2030, deve receber mais 250 milhões de reais.
Além do crescimento, a ideia é diversificar os usos do etanol para impulsionar a transição energética, diz Andres Guevara, presidente da bp Brasil. Ex-presidente da subsidiária na Espanha, o executivo chegou ao Brasil em setembro do ano passado para comandar o negócio. Veja mais na entrevista a seguir.
Por que a bp decidiu intensificar sua atuação com o etanol no Brasil e adquirir a totalidade da BP Bunge depois de tantos anos atuando com joint-ventures no país?
A bp tem quase 120 anos de idade, e a maior parte de sua existência foi como uma empresa internacional de petróleo. Esse é o nosso DNA. Mas, desde 2020, estamos nos transformando em uma empresa integrada de energia. Isso tem a ver com a transição energética. As fontes vão continuar se diversificando e, nesse sentido, as energias de baixo carbono se tornam ainda mais relevantes para nossa estratégia.
A bp já tinha sido uma das primeiras petroleiras a entrar no negócio de etanol. Criamos uma joint-venture no Brasil em 2008, quando ainda não era operada diretamente pela bp. Em 2011, compramos o parceiro e criamos nosso primeiro negócio de etanol aqui. Em 2019, criamos a BP Bunge — nós entramos com três usinas e eles com oito. Agora, com a aquisição, temos 11 usinas e somos um dos principais players do Brasil, com 31 milhões de toneladas de moagem de cana. Então, esse é um passo fundamental para a nossa transição e para produzir a energia de que a sociedade precisa, mas com menor pegada de carbono, de forma competitiva e confiável.
E qual a vantagem de apostar no etanol frente a outras opções de baixo carbono?
O etanol e o negócio [original] da bp bioenergy formam uma plataforma muito relevante para expandir e diversificar além dos negócios atuais. Hoje, temos três produtos no Brasil: o etanol para uso na mistura com gasolina ou como combustível puro; a eletricidade que geramos com o bagaço resultante do processo de moagem da cana; e, claro, o açúcar.
Mas há também o biogás e o biometano, nos quais vamos começar a investir neste ano. A ideia é utilizar a vinhaça, um subproduto do processamento da cana, que é utilizado como fertilizante, mas que também gera metano, que podemos capturar e usar como combustível.
Outro exemplo são os combustíveis sustentáveis de aviação (SAF) e o etanol de segunda geração, ou seja, produzido a partir do bagaço, e não do caldo de cana. Temos um Centro de Tecnologia em San Diego, na Califórnia, onde estamos pesquisando enzimas para reduzir o custo de produção do etanol de segunda geração.
E como tem sido lidar com um combustível como o etanol, considerando que a maior experiência da BP é com o petróleo?
Por um lado, o mercado de etanol é muito similar ao da gasolina. São produtos diferentes, mas o uso entendemos muito bem, porque vendemos mobilidade. Isso é uma vantagem, pois lidamos com processos e cadeias de valor complexas e extensas, com as quais já temos experiência. Essas cadeias são integradas por uma equipe de trading e fornecimento, com acesso a mercados internacionais e nacionais.
O que é uma novidade para a bp é a parte agrícola, o início da cadeia produtiva. Esse segmento é diferente do resto dos nossos negócios porque envolve riscos climáticos. Nas energias renováveis, se não há sol, não há produção.
Com essa aquisição, temos uma equipe altamente qualificada, que conhece profundamente essa parte e será essencial para o desenvolvimento de outros biocombustíveis no futuro.
Quais são essas outras rotas de produção de biocombustíveis a partir da agricultura?
Uma das rotas envolve coprocessamento — ou seja, processamos em uma refinaria de petróleo uma matéria-prima de origem biológica, misturando-a com combustível fóssil. Já realizamos esse processo em nossas refinarias pelo mundo. Normalmente, compramos essa matéria-prima de terceiros, mas agora poderemos ter mais controle sobre ela, aplicando nossa experiência no setor agrícola.
Outra tecnologia em desenvolvimento por diversas empresas é a produção de biocombustíveis a partir de resíduos agrícolas, como óleos usados, o que podemos começar a explorar.
A terceira rota está relacionada ao etanol para uso na aviação, uma das razões pelas quais adquirimos a joint-venture. Esse tema é extremamente relevante no Brasil, principalmente com a aprovação da Lei do Combustível do Futuro, sancionada em outubro do ano passado, que incentiva a produção e o consumo de biocombustíveis, como o SAF (combustível sustentável de aviação) e o biometano.
O sr. mencionou que ainda este ano a empresa vai investir no biometano. Como será a comercialização desse gás?
Os projetos de biogás acontecem nas próprias usinas, onde está a matéria-prima, como a vinhaça. No entanto, a rede de transporte de gás natural no Brasil está concentrada na costa, enquanto a maioria das usinas está no interior do país.
Assim, cada usina terá diferentes alternativas de comercialização. Por exemplo, uma usina em área remota poderá usar o gás para gerar sua própria energia, ou terá que transportá-lo por longas distâncias até mercados consumidores. Já usinas próximas de polos industriais poderão vender diretamente para indústrias que necessitam desse gás em seus processos produtivos.
Em alguns casos, pode-se construir dutos para transportar o biogás diretamente ao consumidor final. Em outros, pode-se injetar o gás na malha nacional de transporte.
Nosso objetivo principal é usar esse gás para substituir o diesel, contribuindo para a redução da pegada de carbono. Mas, para uma transição energética bem-sucedida, precisamos estimular tanto a oferta quanto a demanda por esses novos combustíveis.