Sinais de alerta na economia carregam as nuvens do Brasil pós-eleição
Um indício das novas dificuldades foi dado pelo IBC-Br, índice considerado como prévia do PIB, que apontou crescimento mais fraco para o 2º semestre e 2023
O ano de 2022 começou com uma previsão de crescimento tíbio para o produto interno bruto brasileiro, de 0,36%, segundo consenso do mercado financeiro compilado pelo Banco Central. Na ocasião, o ministro da Economia, Paulo Guedes, esbravejou, reclamou da previsão e manteve a aposta de que a retomada da atividade pós-pandemia seria melhor do que o esperado. Sua avaliação foi acertada, com um primeiro semestre mais acelerado no consumo, principalmente no setor de serviços, e os bancos e casas de análise passaram a revisar as suas estimativas para o PIB do ano. Guedes atirou no que viu e acertou no que não viu. A análise de que a economia brasileira feita pelo ministro estaria em plena ascensão foi exagerada, mas a inesperada eclosão da guerra na Ucrânia fez parecer assim, pois acabou ajudando a trazer recursos ao Brasil. E, quando esse efeito começava a se dissipar, medidas econômicas às vésperas da eleição, com o corte de impostos para segurar a inflação e com o aumento em 200 reais do Auxílio Brasil, além da criação de benefícios para caminhoneiros e taxistas, contribuíram para dar um fôlego extra.
Mas, agora, nas semanas que antecederam o segundo turno das eleições, surgiram os primeiros sinais de que a boa fase está chegando ao fim. E as nuvens carregadas previstas pelo mercado parecem se adensar no horizonte. “A economia ainda não sentiu os efeitos da política monetária, dos juros de 13,75%, porque o governo se aproveitou do ano eleitoral para fazer novas medidas de estímulos fiscais e a concessão de benefícios. Isso cria a falsa sensação de que a economia vai bem, quando na verdade ela está sendo impulsionada”, diz Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre). “A desaceleração já estava prevista, o governo apenas postergou e criou mais ruído com a situação fiscal.”
Um sinal de que as dificuldades começam a se avolumar foi dado pelo IBC-Br, índice do Banco Central considerado pelo mercado como uma espécie de prévia do PIB. O dado registrou uma queda de 1,13% em agosto, revertendo o ciclo de alta e apontando um crescimento mais fraco para o segundo semestre e para 2023. Esse foi o maior baque mensal desde março de 2021, quando a economia ainda enfrentava o surto de Covid-19. Além disso, as desonerações de impostos dos combustíveis, que combinadas com a baixa da cotação internacional do petróleo levaram a uma deflação por três meses consecutivos, também estão perdendo o efeito. O índice IPCA-15, contabilizando as duas últimas semanas de setembro e as duas primeiras de outubro, veio com inflação de 0,16%, acima das expectativas do mercado. “O risco fiscal traduz em mais inflação e necessidade de mais juros, que reverte em PIB menor depois desse impulso”, afirma Felipe Sichel, economista-chefe do banco Modalmais.
A expectativa é que, apesar de um mês de agosto mais fraco, o terceiro trimestre do ano ainda vai apresentar leve crescimento de PIB. Já para o último trimestre, a estagnação é o consenso. Os bancos Santander e Itaú preveem crescimento zero da atividade no período, o BTG espera alta de 0,4% e o Boletim Macro fala de queda de 0,5%. Para o ano todo, a expectativa do mercado é de alta de 2,8%, número acima das previsões do início do ano. No entanto, esse valor está abaixo da média da América Latina, que deve crescer 3,5% em 2022, segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), e da mundial, que deve girar em torno de 3,2%.
Ou seja, o resultado do Brasil não demonstra nenhuma economia em voo de brigadeiro, como Guedes e o presidente Jair Bolsonaro querem fazer crer. Mas também não é a tragédia preconizada pela oposição. Alguns fatores devem continuar ajudando a atividade até o fim do ano. Os serviços permanecem fortes, assim como a agricultura. O Auxílio Brasil traz movimentação dos consumidores mais pobres, assim como o mercado de trabalho completou em setembro nove meses de criação de postos de trabalho, acumulando 2,15 milhões de vagas no ano. Mas, por outro lado, o comércio e a indústria sofrem. Os juros altos, com a Selic mantida, na quarta-feira 26, a 13,75% ao ano, apertam o crédito e desestimulam investimentos produtivos. E a parcela de famílias endividadas foi para a taxa recorde de 79,3% em setembro, sendo que 30% estão em atraso nos pagamentos. Para o novo governo que se inicia em janeiro, seja ele qual for, não faltam sinais de atenção.
Publicado em VEJA de 2 de novembro de 2022, edição nº 2813