Congresso se movimenta contra alta do IOF em meio à falta de rumo do governo
Medida para elevar a arrecadação e tapar o rombo fiscal causa espanto entre empresas e parlamentares

Conseguir algum tipo de unanimidade na política é quase impossível. O governo federal chegou bem próximo disso com o Decreto nº 12466, que foi assinado por Lula no último dia 22 e eleva a alíquota do imposto sobre operações financeiras (IOF) de diversas transações. A rejeição a ele foi quase unânime entre o empresariado, os economistas e os políticos, incluindo alguns da base aliada. Restou a Fernando Haddad a missão solitária de defender a medida em meio ao início de um levante no Congresso para derrubá-la. Nessa inglória tarefa, o ministro da Fazenda, cada vez mais isolado na pregação de responsabilidade fiscal dentro de uma gestão que pisa cada vez mais fundo na direção oposta, tem recorrido até ao argumento de que, sem a receita extra da nova alíquota do IOF, o governo terá de fazer um novo e mais severo contingenciamento de despesas, colocando em risco o funcionamento da máquina pública.
O episódio é espantoso em muitos aspectos. O primeiro é o seu objetivo confesso: aumentar a arrecadação em ao menos 18 bilhões de reais neste ano para ajudar o governo a cumprir a meta fiscal de zerar o déficit primário. Para tentar aplacar o mau humor geral, Fernando Haddad e a ministra do Planejamento, Simone Tebet, anunciaram que a medida será acompanhada por congelamento de gastos de 31 bilhões de reais. Mesmo essa decisão oculta alçapões típicos de casa mal-assombrada. O maior deles passou despercebido por grande parte dos analistas. Junto com o aumento do IOF e o corte de gastos, foi divulgada a primeira revisão do Orçamento de 2025 com uma projeção de arrepiar: apesar das medidas anunciadas, o déficit primário estimado para este ano saltou de 29,5 bilhões de reais para quase 77 bilhões. “As projeções oficiais indicam que o governo terá de se endividar em 47 bilhões de reais a mais que o originalmente orçado”, afirma Alexandre Schwartsman, ex-diretor do Banco Central e colunista de VEJA.
A própria escolha do IOF para arrecadar mais desperta fantasmas como o do controle de capitais. A primeira versão do decreto aumentava de 1,1% para 3,5% a alíquota para remessas de recursos ao exterior para investimento. Também passava a cobrar 3,5% sobre aplicações, até então isentas, de fundos nacionais lá fora. Foi o bastante para derrubar o Ibovespa, o principal índice da bolsa brasileira, e disparar a cotação do dólar. Diante das reações negativas, passadas algumas horas, o governo revogou esses trechos. Mas o que ficou preocupa.
Apresentado como mera uniformização de alíquotas, o decreto encarece o crédito às empresas, sobretudo as de menor porte, que não têm acesso a fontes mais baratas de recursos. “O IOF é um imposto de péssima qualidade, que pressiona os preços e os juros com um impacto social cruel”, afirma Arminio Fraga, ex-presidente do Banco Central. Para a equipe econômica, porém, isso não é um problema — muito pelo contrário. Ao restringir o crédito, o IOF mais alto esfriaria a economia e ajudaria o Banco Central a controlar a inflação, transformando um imposto em instrumento de política monetária. A argumentação não faz sentido para a grande parte dos especialistas. “Isso lembra a economia criativa que marcou o governo Dilma”, ironiza Roberto Padovani, economista-chefe do Banco BV. “Todos sabem como isso acabou.”

As empresas que precisam de crédito não são as únicas que sofrerão. Ao encarecer o custo de capital, a nova tributação também dificulta os investimentos produtivos. Atualmente, aquelas com acesso às melhores fontes de recursos pagam de 19% a 21% ao ano. “Muitos já preferem deixar o dinheiro no caixa, porque não encontram investimentos viáveis”, afirma Pablo Cesario, presidente da Abrasca, associação que reúne as companhias de capital aberto.
Reverter as medidas tornou-se uma bandeira que une o empresariado e a oposição a Lula no Congresso. Em nota pública, sete entidades que representam o setor privado, como as confederações do comércio, da indústria, da agricultura e das instituições financeiras, estimam que as novas alíquotas encarecerão os custos das empresas com operações de câmbio, crédito e seguros em 19,5 bilhões de reais ainda neste ano. Em 2026, a cifra deve subir para 39 bilhões de reais.
A disputa pode desembocar nos tribunais. Para os tributaristas, não faltarão argumentos. O primeiro é o desvio de finalidade do IOF, criado para regular distorções de mercado e usado agora como fonte de arrecadação. Outro exemplo são as operações de risco sacado em que fornecedores de uma empresa recebem o valor antes do prazo contratado por intermédio de um banco, que assume o papel de credor da companhia. Antes considerada uma forma de antecipação de recebíveis, a transação agora é classificada como concessão de crédito e sujeita, portanto, à tributação de 3,5% de IOF. “É um erro dizer que o risco sacado é crédito”, diz o tributarista Paulo Bento, sócio do escritório Madrona Advogados. “Haverá uma enxurrada de ações judiciais.”

No front político, um amplo bloco de congressistas se articula para rechaçar a elevação de imposto. É mais desgaste para o ministro Haddad e o próprio presidente da República. “Ninguém aguenta outro aumento da carga tributária”, disse a VEJA o senador Renan Calheiros (MDB-AL), que preside a comissão de assuntos econômicos do Senado e é visto como um aliado de Lula. Uma nota conjunta de doze frentes parlamentares ligadas ao setor produtivo repudiou o decreto assinado por Lula, afirmando que o texto “apresenta questionável ilegalidade e possível inconstitucionalidade”. Os signatários do manifesto defendem a aprovação imediata de um decreto legislativo apresentado pelo deputado federal Luciano Zucco (PL-RS), líder da oposição na Câmara, no mesmo dia em que as medidas foram anunciadas por Haddad e Tebet. Seu objetivo é anular o decreto de Lula.

Cabe agora ao presidente da casa, Hugo Motta (Republicanos-PB), decidir se a matéria avançará. Num jantar na quarta-feira 28, ele avisou a Haddad que a Câmara pende para a derrubada do IOF e deu um prazo de dez dias para que o governo apresente uma alternativa à alta do imposto. Para desgosto de Sidônio Palmeira, o chefe da Secretaria de Comunicação Social de Lula, o episódio prova que o grande problema do Planalto não é melhorar o marketing. “Lula está sem rumo e improvisa”, diz Gaudêncio Torquato, consultor político. Diante da unanimidade negativa que passou a colher com o anúncio do novo decreto, o governo só fez reforçar as críticas ao desgoverno — mais do que justas, por sinal.
Publicado em VEJA de 30 de maio de 2025, edição nº 2946