Como o governo transformará um déficit de R$ 64 bilhões em uma meta cumprida
Com receitas superestimadas, crescimento em queda e inflação elevada, o cumprimento de déficit zero em 2025 se apoia mais em mágica do que esforço fiscal

Por mais que Brasília repita que a meta fiscal será cumprida em 2025, a matemática que sustenta esse otimismo está mais atrelada a uma mágica do que a esforço fiscal. O Relatório de Acompanhamento Fiscal da Instituição Fiscal Independente (IFI), divulgado nesta quarta-feira 16, expõe a fragilidade por trás do discurso oficial. A estimativa da entidade aponta para um déficit primário de 64,2 bilhões de reais — o equivalente a 0,51% do PIB —, número incompatível com o objetivo declarado do governo de zerar o rombo nas contas públicas. Ainda assim, o Executivo pode atingir a meta estipulada no arcabouço fiscal, graças a deduções legais como o abatimento dos precatórios e uma margem de tolerância de 0,25 ponto percentual do PIB.
A realidade, no entanto, vai ser mais difícil de mascarar no próximo ano. As contas públicas caminham para um quadro mais preocupante em 2026, quando o déficit deve alcançar 128 bilhões de reais, ou 0,95% do PIB. A menos que o governo tire da cartola um esforço fiscal de pelo menos 72 bilhões de reais — quase 0,5% do PIB —, será impossível cumprir a meta estabelecida: um superávit primário de 0,25%.
O quadro fiscal se complica ainda mais ao se observar a qualidade das estimativas orçamentárias. A IFI identificou uma superestimação de 54,2 bilhões de reais nas receitas primárias líquidas previstas para 2025, sendo 86,1 bilhões de reais apenas em receitas extraordinárias e condicionadas —, ou seja, dependentes de ações futuras ou de receitas incertas. Ao mesmo tempo, há subestimação em despesas obrigatórias, como Previdência, Benefício de Prestação Continuada (BPC), Bolsa Família e Saúde. O número de beneficiários de programas sociais tem crescido, e com ele os gastos associados. O saldo final é um gasto primário estimado em 19,6 bilhões de reais acima do que prevê o orçamento oficial.
Essa deterioração fiscal ocorre em um contexto macroeconômico cada vez menos favorável. O crescimento robusto de 3,4% em 2024 deve perder fôlego, caindo para 2% em 2025 e 1,6% em 2026, segundo a IFI. A desaceleração decorre, entre outros fatores, da política monetária restritiva e da erosão da renda real disponível da população, pressionada pela inflação. A entidade projeta que o IPCA suba de 4,83% em 2024 para 5,5% em 2025, antes de recuar para 4,4% em 2026. Essa inflação persistente tem ajudado o governo a inflar a arrecadação, ao ampliar a base de incidência dos tributos, o que mascara temporariamente a fragilidade estrutural das contas públicas. O alívio é ilusório: ao mesmo tempo em que turbina a receita, a alta de preços corrói o poder de compra da população, eleva o custo do serviço da dívida e limita a margem de manobra do Banco Central para reduzir os juros — travando a recuperação econômica de forma ainda mais duradoura.
Se as estimativas da IFI se concretizarem, a dívida bruta do governo geral, que já encosta em 76% do PIB, deve subir para 79,8% em 2025 e atingir 84% em 2026. Esse patamar coloca o Brasil em posição desconfortável entre os emergentes e ameaça a sustentabilidade fiscal no médio prazo. Em comparação, a dívida pública da Colômbia deve fechar 2025 em cerca de 60% do PIB, e a do Chile, em 40%.
O IFI alerta ainda para a “guerra comercial” iniciada pela nova administração americana que adiciona mais incerteza ao cenário internacional e pode reduzir a demanda externa por produtos brasileiros — outro golpe potencial sobre a arrecadação e o crescimento do país.
O arcabouço fiscal aprovado em 2023 tinha como promessa restaurar a credibilidade da política fiscal brasileira, substituindo o antigo teto de gastos por uma regra mais flexível, mas com metas críveis. No entanto, sua eficácia depende menos do desenho legal e mais da vontade política de respeitar seus limites. Cumprir a meta de déficit zero em 2025 pode ser possível — no papel. Mas manter a trajetória sustentável da dívida exigirá muito mais do que criatividade fiscal. Será preciso um compromisso firme com reformas estruturais, racionalização de despesas e um planejamento realista que vá além do ciclo político. Sem isso, o arcabouço fiscal corre o risco de se tornar apenas mais uma regra quebrada na longa história da indisciplina fiscal brasileira.