Com valorização recorde, o bitcoin se firma entre as moedas globais
Ele acabou adotado até por grandes empresas, apesar de sua volatilidade
Há dez anos, um certo investidor amador de Wall Street chamado Laszlo Hanyecz fez a primeira compra com uma moeda virtual ainda pouco conhecida no mundo real. Ele pediu duas pizzas e pagou 10 000 bitcoins por elas. Hoje, esse volume da criptomoeda digital vale nada mais, nada menos do que impressionantes 2,8 bilhões de reais. Seria o suficiente para o dono da pizzaria se tornar uma das 100 pessoas mais ricas do Brasil, se mantivesse as bitcoins em sua carteira virtual.
Em meio a essa espetacular ascensão, chama a atenção o movimento iniciado em setembro do ano passado. O bitcoin saiu de um valor de quase 11 000 dólares para, agora, superar os 50 000 dólares — na quarta-feira 17, o valor histórico já era de 52 000 dólares, em torno dos 283 000 reais. Trata-se de uma valorização de 400%, o que o colocou na 14ª posição das moedas mais comercializadas do mundo, em termos de valor disponível. É um feito e tanto, principalmente por não envolver uma divisa emitida por governos e, portanto, não ser de uso obrigatório. O ranking elaborado pela Fiat Market Cap e revisado, a pedido de VEJA, pela economista Julia Braga, da Universidade Federal Fluminense, colocou o real apenas duas posições acima do bitcoin, que, por sua vez, ficou à frente do rublo russo.
A escalada da mais famosa entre as mais de 4 000 moedas digitais existentes encontrou lastro, nas últimas semanas, no incentivo recebido de empresas que estão usando o bitcoin para aplicar os seus recursos. É o caso da montadora de carros elétricos Tesla, que, em seu relatório anual divulgado no começo de fevereiro, informou ter investido 1,5 bilhão de dólares em bitcoins e que, num futuro próximo, vai aceitar a moeda como forma de pagamento. Trata-se de um compromisso explícito do fundador da empresa, Elon Musk, segundo homem mais rico do planeta e grande incentivador das criptomoedas. No dia seguinte ao anúncio da Tesla, foi a vez do Twitter informar o seu interesse em aplicar em bitcoins — o criador da rede social, Jack Dorsey, é outro entusiasta da tendência. Na mesma semana, a Mastercard, uma das maiores bandeiras de cartão de crédito do mundo, anunciou que vai começar a aceitar criptomoedas como pagamentos, se juntando à Visa e ao site Paypal. O bitcoin, até então um ativo transacionado por investidores mais audaciosos e conectados, ganhou status de mainstream.
O movimento é tal que, entre analistas americanos, já começa a se formar consenso de um preço-alvo de 100 000 dólares para o bitcoin ainda neste ano. Em meio à euforia, não é incomum a criptomoeda ser comparada ao ouro — para os mais entusiastas, ela pode até substituir o metal como ativo de reserva. A comparação faz algum sentido, uma vez que o bitcoin é um recurso finito e há limites para sua geração (ou mineração, como dizem os iniciados). O protocolo de criação do bitcoin estabeleceu que somente 21 milhões de unidades poderão ser “mineradas” por supercomputadores, das quais 18,5 milhões já estão disponíveis.
A espetacular valorização da criptomoeda, no entanto, ainda inspira cautela. O ativo segue bastante volátil, e diferentemente do ouro, que serve para a fabricação de joias ou lingotes, nunca terá um valor intrínseco no mundo real. A moeda também precisa ser armazenada na internet, com chaves de segurança, e, se o dono perde a senha, perde o dinheiro. Há cerca de 4 milhões de bitcoins atualmente em situação irrecuperável, porque seus proprietários não têm mais as chaves. Há ainda a possibilidade de governos criarem regulamentações para ativos digitais que afetem a cotação. O bitcoin nunca foi tão real, mas continua a exigir boa dose de sangue-frio de seus adeptos.
Publicado em VEJA de 24 de fevereiro de 2021, edição nº 2726