Com reputação em crise, governo falha na abertura comercial para mundo
Brasil permanece uma economia ainda muito fechada, e que precisa se abrir para se tornar mais competitivo, produtivo e aumentar o volume de seus negócios
Antes mesmo de ser eleito presidente, Jair Bolsonaro costumava declarar que tinha o sonho de colocar o Brasil onde ele merece, próximo aos países mais desenvolvidos. Dado o seu alinhamento ideológico com o então presidente americano Donald Trump, e a forte defesa de princípios liberais de seu ministro da Economia, Paulo Guedes, que sempre enfatizou a necessidade de uma maior abertura comercial do Brasil ao mundo, era de esperar que esse fosse um desafio mais simples de ser alcançado. A realidade, no entanto, mostrou-se outra. Em seu último ano de mandato, Bolsonaro tem quase nada a mostrar em termos de acordos bilaterais com mercados de grande porte.
É consenso no mundo econômico que o Brasil permanece uma economia ainda muito fechada, e que precisa se abrir, para se tornar mais competitivo, produtivo e aumentar o volume de seus negócios. No ano passado, a soma da exportações e importações brasileiras chegou a 499,8 bilhões de dólares. Apesar de ser um recorde, a cifra equivale a apenas 31% do PIB. Em países desenvolvidos, o comércio exterior corresponde a uma proporção maior, como na Alemanha, onde chega a 60%. “O Brasil claramente poderia ter participação maior do comércio internacional no PIB”, diz Vinicius Rodrigues Vieira, professor de economia e relações internacionais da FAAP. “Mas estamos nos especializando muito em poucas commodities, muito vulneráveis no mercado internacional e não temos mais uma pauta diversificada, como havia até 2005. Além disso, dependemos muito de um único parceiro, que hoje é a China.”
Não precisava ser assim. Quando, em 2019, depois de duas décadas de negociações, o Mercosul e a União Europeia assinaram seu tratado de livre-comércio, e, no início de 2020, Bolsonaro declarou em encontro com Trump que Brasil e Estados Unidos estavam dando o primeiro passo para um acordo similar, parecia que o futuro seria promissor. Hoje, tais negociações estão congeladas e o principal motivo é Bolsonaro, que nos últimos dois anos despejou ofensas a representantes internacionais, adotou postura negacionista diante da pandemia e deixou explícita sua antipatia às causas ambientais. “Todos os nossos interesses na área comercial internacional dependem de uma boa imagem”, diz Sérgio Amaral, ex-embaixador do Brasil nos Estados Unidos. A posição do Brasil como pária global acabou reforçada nos últimos meses de 2021, em que as participações do país na Assembleia-Geral das Nações Unidas, em Nova York, na cúpula do G20, em Roma, e na Conferência do Clima COP26, em Glasgow, se transformaram em verdadeiros fiascos. Na capital italiana, o presidente brasileiro nem sequer foi convidado para a tradicional fotografia dos líderes do G20, captada em frente à Fontana di Trevi.
Visto como uma grande conquista pelo governo, o Acordo de Comércio e Cooperação Econômica assinado com os Estados Unidos em 2020 foi congelado após a eleição de Joe Biden, do Partido Democrata. Os principais motivos são a temerária política ambiental brasileira sob a gestão Bolsonaro e o descontrole sobre o desmatamento da Amazônia. “Queremos apoiar o Brasil para garantir que as leis ambientais sejam aplicadas de forma minuciosa para combater toda e qualquer irregularidade”, explica com certa dose de eufemismo Douglas Koneff, encarregado de negócios da Embaixada dos Estados Unidos. Em conversas diretas entre os países, entretanto, o recado é inequívoco. Os democratas não querem muita conversa com o Brasil. Em setembro, em debate virtual, depois de o secretário de negociações bilaterais e regionais nas Américas, o embaixador Pedro Miguel Costa e Silva, sinalizar interesse em um acordo “amplo e ambicioso” com os americanos, o assistente da Representação Comercial dos EUA para o Hemisfério Ocidental, Daniel Watson, respondeu que isso seria improvável e que as prioridades do governo Biden são outras.
Com a Europa, a dificuldade de concluir o tratado entre UE e Mercosul ficou explícita em novembro, quando Josep Borrell, o chefe da diplomacia da União Europeia, veio ao Brasil e afirmou que a ratificação ainda estava bastante distante e que seria preciso incluir compromissos ambientais firmes dos brasileiros. Para entrar em vigor, o acordo precisa da aprovação de cada um dos 27 países membros da UE, algo difícil de acontecer hoje. A França, por exemplo, sempre foi um entrave para esse avanço, por seu histórico de protecionismo agrícola. Mas o problema é que até mesmo aliados importantes do Brasil, como Portugal e Alemanha, hoje estão afastados.
Em recente viagem ao país, o presidente português Marcelo Rebelo de Sousa teve uma péssima impressão de Bolsonaro. O encontro entre ambos no Palácio da Alvorada, em agosto, foi um desastre, com Sousa incomodado por ter sido recebido sem máscaras nem protocolos contra a Covid-19 e por duas piadas de cunho sexual contadas pelo líder brasileiro. No país mais rico da Europa, a saída da chanceler Angela Merkel, defensora do acordo, levou a uma guinada de expectativas. A coalizão vencedora, liderada pelo Partido Social-Democrata, tem forte participação do Partido Verde. No novo governo, a pasta das Relações Exteriores passou a ser comandada justamente pela líder dos verdes, Annalena Baerbock, uma crítica contumaz do Brasil.
Em paralelo às negociações com Estados Unidos e Europa, três outros acordos relevantes empacaram na gestão Bolsonaro. Negociações iniciadas há vinte anos com o México, hoje presidido pelo esquerdista Andrés Manuel López Obrador, foram completamente paralisadas. Com o Canadá, divergências em uma das cláusulas travaram as negociações. Esses dois tratados e mais um com o bloco formado por Suíça e Noruega são vistos como especialmente positivos para a indústria brasileira. Mas até outubro não devem avançar. Afinal, os negociadores internacionais agora preferem saber se será Bolsonaro quem continuará à frente do país ou se o interlocutor será outro.
Publicado em VEJA de 19 de janeiro de 2022, edição nº 2772