Com novo corte, taxa de juros a 2% não é mais loucura, apontam analistas
Projeções do mercado estimam que a Selic pode cair ainda mais este ano; para alguns analistas, o corte não será suficiente para estimular a economia
O corte de 0,75 ponto percentual na taxa básica de juros, a Selic, anunciado pelo Comitê de Política Monetária (Copom), do Banco Central, na noite desta quarta-feira, 6, surpreendeu boa parte dos agentes do mercado financeiro. A redução em si já era esperada, mas em uma escala menor, de até 0,50 ponto percentual. Foi a sétima vez consecutiva que o Banco Central revisou o indicador para baixo, agora a 3% ao ano, o menor nível da história. Com isso, espera-se que o Brasil consiga manter o nível de investimento para fomentar a economia em tempos de novo coronavírus. A autoridade monetária, no entanto, já deu indícios de que realizará ao menos um novo corte para o indicador em 2020. Segundo comunicado, a instituição “considera um novo ajuste, não maior do que o atual, para complementar o grau de estímulo necessário como reação às consequências econômicas da pandemia da Covid-19”. Sendo assim, o comitê deixa claro que deve, nos próximos encontros, reduzir a taxa de juros para até 2,25% ao ano. Diante deste cenário de incerteza, alguns analistas começam a fazer suas apostas: as projeções são, em alguns casos, de que a Selic possa cair para a faixa de 2% ao fim deste ano.
Com a Selic ao menor patamar histórico, o país deve registrar, pela primeira vez na história, juro real negativo. Isso significa que a inflação, medida pelo IPCA, irá superar o juro nominal ou o valor real dos juros serão menores do que a inflação. Esse cenário implica ainda numa mudança de comportamento dos investidores individuais. Num momento em que a renda fixa perde a atratividade, especialistas acreditam que a hora exige um perfil mais arrojado no mercado de ações, por exemplo. Hoje, mais de 2,4 milhões de pessoas investem na bolsa de valores brasileira. “Com o corte de juros acima do esperado, a atratividade da renda variável aumenta. No Brasil, existem hoje quase 7 trilhões de reais em títulos de renda fixa, incluindo quase 1 trilhão de reais só em poupança. Só neste ano de 2020, mesmo com a bolsa caindo 30% em reais e 50% em dólares, nós temos visto as pessoas físicas, os investidores individuais, comprando mais renda variável, usando esse cenário de preços menores para aumentar a exposição de renda variável”, diz Fernando Ferreira, estrategista-chefe da XP Investimentos. Recentemente, Bruno Marques, gestor dos fundos multimercado da XP Asset, alertou para um cenário de que a Selic possa chegar a 2% ao ano.
O ajuste monetário se dá pelo momento de retração das atividades da economia brasileira e acompanha mercados financeiros de outros países, que têm imprimido uma política de cortes de juros para estimular um rápido desenvolvimento econômico no momento em que a taxa de pessoas contaminadas pelo vírus se arrefecer. Há quem diga, entretanto, que esses ajustes não serão suficientes para fomentar a economia doméstica. “Tal patamar da Selic aponta maior pressão sobre o dólar e não deve se materializar necessariamente em maiores incentivos econômicos, uma vez que os instrumentos de mercados estão obstruídos com a elevada percepção de risco por conta da crise”, diz André Perfeito, economista-chefe da corretora Nécton. Ele estima que a Selic tende a cair para 2,5% ao ano.
Já a economista-chefe do banco Santander Brasil, Ana Paula Vescovi, ex-secretária do Tesouro Nacional e ex-secretária-executiva do Ministério da Fazenda no governo Michel Temer, prevê um corte para a Selic ainda maior até o fim deste ano. “Esperamos agora algo entre 2,25% e 2,50% em função do comunicado do Copom após a decisão de hoje.” A projeção anterior da economista estava entre 2,5% e 3% ao ano. Os cenários do banco, porém, serão revistos na próxima semana, segundo o calendário de revisões da área de macroeconomia do Santander. Para Fábio Astrauskas, CEO da consultoria Siegen, o corte na taxa básica de juros é bem-vindo, mas ele precisa chegar na ponta. Micro e pequenos empreendedores estão com dificuldade para acessar crédito devido ao aumento do risco de inadimplência. “É necessário que se tenha outras iniciativas para garantir que os recursos destinados aos bancos cheguem à ponta final, ou seja, às empresas, principalmente nas linhas referentes a capital de giro”, diz.