Brilho renovado: por que o ouro volta a ocupar papel central como ativo de proteção
Tendência se dá diante de um cenário turbulento, com disputas comerciais e conflitos geopolíticos

Num passado não muito distante, o ouro foi a principal moeda de troca da humanidade. Durante os séculos XIX e XX, o sistema monetário mundial tinha por base as reservas do metal precioso, o que era determinante para estabelecer o valor das moedas nacionais. Com o tempo, o sistema financeiro evoluiu, substituindo o ouro pelo papel-moeda, cujo valor passou a ser definido por oferta e demanda, além de fatores como estabilidade econômica, inflação e juros. Apesar das transformações ao longo das últimas décadas, o cenário econômico conturbado da atualidade tem reavivado o interesse pelo ouro. Como um metal escasso e historicamente valorizado, ele volta a ocupar papel central no mercado financeiro, reafirmando o status de ativo seguro em tempos de instabilidade.
O ouro físico tem pouca atratividade para os investidores. A forte demanda pela commodity está concentrada nos contratos negociados em bolsa, impulsionados principalmente por sua alta liquidez. É nesse ambiente que se observa um movimento recorde: os preços do ouro já ultrapassaram os 3 000 dólares por onça-troy (unidade de medida utilizada para pesar metais preciosos), atingindo o maior patamar da série histórica iniciada na década de 1970. Mesmo quando ajustado pela inflação dos Estados Unidos, o valor do ouro segue no nível mais alto já registrado, segundo um estudo realizado pela consultoria Elos Ayta.

A forte procura pelo metal não vem acontecendo à toa. As incertezas econômicas rondam as mesas de operação mundo afora, onde se ventilam riscos como a perda de força da economia americana até o ponto de recessão. Embora os números de inflação nos Estados Unidos venham evoluindo de forma comportada, com um mercado de trabalho que Jerome Powell, presidente do Fed, o banco central americano, insiste em lembrar que está aquecido, há dúvidas sobre os rumos da administração de Donald Trump na economia — e é aqui que está a grande mola propulsora da procura recente por proteção no metal precioso. “Olhando o curto prazo, o que ocorreu foi uma disfuncionalidade pelo medo das tarifas comerciais de Trump”, afirma João Scandiuzzi, sócio e estrategista-chefe do banco BTG Pactual. “É um movimento mais estrutural e que reflete desde os desafios fiscais até comerciais dos países.” Entre diversos ativos, o metal dourado foi o que mais brilhou desde a posse de Trump, em 20 de janeiro: enquanto o ouro subiu 4%, o S&P 500, índice que mede o desempenho das 500 maiores empresas listadas na bolsa de Nova York, caiu 10,8%. O Nasdaq, índice da bolsa americana mais voltada a tecnologia, teve baixa de 14,6%.
A guerra tarifária de Trump é sua estratégia para pressionar outras economias a reverem alíquotas sobre produtos e insumos negociados com os Estados Unidos, além de ameaçar nações consideradas adversárias. No entanto, a abordagem é marcada por inconsistências, reviravoltas e impactos incertos na atividade econômica. Esse cenário leva investidores a abandonarem ativos de risco, incluindo moedas fortes, e a buscarem refúgio no ouro. “Estamos passando por um momento de perda de credibilidade”, afirma Bruno Di Giacomo, diretor-executivo da gestora Nero Capital. Não bastasse isso, a situação fiscal dos Estados Unidos — preocupação recorrente do Tesouro americano — e de outros países desenvolvidos também dita o tamanho do risco percebido pelo investidor e, portanto, sua procura por ouro. Trump já recebeu a conta logo na sua chegada à Presidência: no ano fiscal de 2024, o rombo nas contas do país foi de 1,8 trilhão de dólares, um nível recorde. Nesse caso, a culpa — por enquanto — não é do republicano, mas as soluções são, e os investidores esperam por elas.
Outros fatores clássicos continuam impulsionando o ouro, com destaque para a instabilidade geopolítica, especialmente a guerra entre Rússia e Ucrânia. Como ocorre historicamente em períodos de conflito armado, o metal se torna uma moeda de troca essencial, além de ser cada vez mais demandado por bancos centrais globais. No entanto, é o fator Trump que adiciona um novo ingrediente à crescente demanda dos investidores pelo ouro. “Nossa expectativa é de que o metal continue em alta”, afirma Giacomo. Em um mundo cada vez mais caótico, o ouro ressurge para reafirmar seu papel como um dos ativos mais seguros e valorizados pelos investidores.
Publicado em VEJA de 21 de março de 2025, edição nº 2936