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Bolsonaro amplia agonia do setor do etanol ao vetar imposto sobre gasolina

Presidente afirma que não é justo aumentar imposto sobre a gasolina para "salvar setor sucroalcooleiro"; medida era dada como certa há uma semana

Por Felipe Mendes, Machado da Costa Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 8 Maio 2020, 16h57 - Publicado em 8 Maio 2020, 14h49

No futebol, uma frase redundante, eternizada na voz do empresário e cartola do esporte Vicente Matheus (1908-1997), virou lugar-comum: “O jogo só acaba quando termina”. A mesma fala, por incrível que pareça, pode ser atribuída à política brasileira e ao lobby do setor de etanol. Há uma semana, o setor sucroalcooleiro comemorava a decisão do governo de aumentar de 10 para 30 centavos o imposto sobre o litro da gasolina por meio da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico, a Cide, além de elevar a alíquota do imposto de importação de zero para 15%. A medida era endossada pelo ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, e pela ministra da Agricultura, Tereza Cristina, que vinha encabeçando o projeto para amenizar as dores dos usineiros que sofrem com a derrocada nos preços do petróleo mundo afora e a queda de consumo de combustível ocasionada pelas medidas restritivas para conter a disseminação do novo coronavírus (Covid-19) no país. Eis que no fim da tarde da quinta-feira 7, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) foi curto e grosso quanto ao assunto: “Não vou aumentar imposto. E ponto final”, disse. “É justo, num momento em que está todo mundo perdendo emprego, tendo o salário reduzido, eu aumentar o preço do combustível?”, questionou.

A declaração de Bolsonaro caiu como um balde d’água fria nos planos do setor. Com a pandemia, vários estados emitiram decretos recomendando a paralisação de diversas atividades da economia para evitar a disseminação do coronavírus, que já contaminou mais de 137.000 brasileiros. Isso fez com que os deslocamentos fossem reduzidos e, com isso, houve queda drástica no consumo dos combustíveis. O álcool, por exemplo, registra queda de vendas de mais de 50% em relação ao período pré-pandemia. Além disso, o declínio vertiginoso da demanda fez com que Arábia Saudita e Rússia iniciassem uma guerra pelo preço do petróleo em meados de março, o que afetou diretamente o valor da gasolina no Brasil – e, concomitantemente, o patamar cobrado pelo biocombustível. Segundo a Agência Nacional do Petróleo (ANP), a paridade de preço do etanol em relação à gasolina hoje é de 69%, sendo que vale mais a pena encher o tanque com álcool em detrimento à gasolina em apenas quatro federações da União. Ou seja, o momento para as usinas mostra-se desesperador. “A situação só vai piorando a cada dia”, diz Evandro Gussi, presidente da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica). Uma solução encontrada por diversos usineiros é migrar a produção para açúcar, mas até isso tem seus limites. “Você tem 30% das usinas que são só destilarias, elas só fazem etanol. Além disso, a flexibilidade para se trabalhar com as duas coisas tem seu limite”.

Segundo Bolsonaro, o setor sucroalcooleiro escolheu a saída errada para mitigar os danos econômicos da pandemia do coronavírus no setor. Para ele, em vez de pressionar o governo federal pelo aumento da Cide, o mercado deveria brigar pela redução do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) junto aos governadores dos estados que mais produzem a cana-de-açúcar no país. “Metade dessa área é de São Paulo. São mais de 100 cidades que vivem quase que exclusivamente da cana-de-açúcar. Eles têm dois caminhos: lutar junto aos governadores para diminuir o ICMS ou junto ao governo federal para aumentar o imposto da gasolina, a Cide”, disse o presidente. “Mas eu não acho justo salvar o pessoal do sucroalcooleiro. Isso não é um dilema para mim. É uma situação que eu coloquei na mesa e acho que não serei derrotado nesses argumentos”, ressaltou Bolsonaro, valendo-se de um compromisso de campanha – de não aumentar impostos – para justificar a sua posição, que está alinhada com a do ministro da Economia, Paulo Guedes. Vale lembrar que o presidente tem o apoio da maior parte dos caminhoneiros, classe que protagonizou uma greve geral nas rodovias brasileiras por menores preços de combustíveis em 2018, o que mingou os planos de recuperação econômica do país naquele ano.

Impacto dos impostos

O aumento da Cide gera um impasse em diversas cadeias. Em 4 de maio, a Federação Nacional do Comércio de Combustíveis e de Lubrificantes (Fecombustíveis) e os sindicatos do setor de revenda enviaram um ofício ao presidente da República, Jair Bolsonaro, e aos ministros de Minas e Energia, Bento Albuquerque, e da Economia, Paulo Guedes, solicitando que o governo não ceda ao pedido do setor sucroenergético. De acordo com Paulo Miranda Soares, presidente da Fecombustíveis, uma solução conjunta para auxiliar esse mercado seria que o governo federal retirasse PIS/Cofins e os governos estaduais abrissem mão de parte do que recebem de ICMS, a maior parcela dos tributos sobre o etanol.

Para José Fernando Mazuca Filho, diretor financeiro da Uisa, ex-Usinas Itamarati, a situação do setor é dramática. Ele estima uma queda de 12% no faturamento da empresa para este ano. Em 2019, a Uisa obteve receita de 928 milhões de reais. “Essa decisão do governo vai agravar a crise no setor. O Brasil tem 350 usinas em operação. A maior parte delas está operando e vendendo etanol abaixo do custo de produção e isso gera um anacronismo econômico. Não faz sentido nenhum produzir, mas ao mesmo tempo não tem como parar. Eu preciso colher a cana que está no campo”, afirma. “Já que não vamos ter nenhum tipo de auxílio do ponto de vista tributário ou fiscal, como o aumento da Cide ou a retirada do PIS/Cofins, o que cabe agora são os auxílios via bancos para as operações de tancagem”. Assim como outras usinas, Mazuca Filho admite que a Uisa tem voltado a produção para açúcar neste momento de incerteza e estocado o máximo de etanol possível.

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Ricardo Mussa, CEO da Raízen, uma joint-venture entre os grupos Cosan e Shell, acredita que uma saída para o mercado seria a implementação do RenovaBio, a Política Nacional De Biocombustíveis, que visa o estabelecimento de metas nacionais anuais de descarbonização para o setor de combustíveis, de forma a incentivar o aumento da produção e da participação de biocombustíveis na matriz energética de transportes do país. “O programa não teve tempo de entrar. Este seria um ano de piloto para que o projeto ganhasse musculatura aos poucos. Caso tivesse acontecido, o mercado se ajustaria automaticamente”, diz Mussa. Ele admite que se nada for feito por parte do governo federal haverá uma “quebradeira” no setor. Por isso, defende a redução de PIS/Cofins ou a implementação da Cide como mecanismos temporários para mitigar as perdas do mercado. “Não estamos prevendo um cenário bonito. Vai ter um pedaço do setor que não vai sobreviver. Quem há tempos não investe no canavial, vai ficar pelo caminho, não por causa do vírus, e sim por uma situação que já vinha debilitada”.

Engana-se, porém, quem pensa que o pedido pela Cide, como forma de evitar falências em massa no setor sucroenergético, seja uma requisição apenas dos produtores de etanol. A medida recebeu, recentemente, o apoio da União Brasileira de Biodiesel e Bioquerosene (Ubrabio). O setor de biodiesel, que emprega cerca de 400.000 trabalhadores em 43 empresas, endossa a tributação como forma de se criar um colchão para que não haja ruptura na indústria dos biocombustíveis neste momento. O apoio também seria uma maneira de preservar um setor que terá mais longevidade por conta de seus impactos ambientais serem menos agressivos em contravenção aos combustíveis fósseis. “Quando o preço do petróleo cai, a adoção de fontes renováveis fica prejudicada. Preço de petróleo barato não é um estímulo econômico ao substituto”, diz Décio Oddone, ex-diretor geral da ANP. “O governo está dando mole. Ele deveria ter uma política pública para defender o etanol, senão ele vai morrer. O aumento da Cide também teria outros efeitos positivos. Além da questão ambiental, isso aumentaria a arrecadação da União, que precisa aumentar a receita para fazer frente aos gastos por conta do coronavírus”, diz Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (Cbie). A decisão sobre a Cide ainda não está sacramentada, mas dificilmente veremos uma nova virada nesta partida.

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