Bolha do day trade definha e leva prejuízos a uma legião de investidores
A prática, que viveu momentos de euforia, encolhe com a má fase da bolsa e deixa na mão quem acreditava no lucro fácil
Depois de tempos de muito frenesi, a animação que engolfou o mercado de capitais brasileiro se desvaneceu. Em junho, o índice Ibovespa fechou com queda de 11,5%, o maior tombo mensal desde março de 2020, o momento de maior impacto da pandemia nos mercados financeiros. Tal resultado pegou em cheio um número recorde de novos investidores, que foram atraídos pela busca de rendimentos na bolsa nos últimos dois anos em uma alternativa aos juros baixos e à redução no emprego formal. Nesse cenário melancólico, uma modalidade que virou febre entre os investidores foram as operações day trade, compra e venda de ativos no mesmo dia objetivando ganho máximo e veloz.
Em 2020 e 2021, pelo menos 1 milhão de pessoas abraçaram essa atividade — o que equivale a um em cada três investidores na B3. Para ilustrar o tamanho do crescimento, o chamado day trader tornou-se a nona profissão emergente no Brasil em 2020, segundo o LinkedIn. Em junho deste ano, a realidade já era bem diferente e o número de investidores dessa modalidade caiu para 658 000, segundo dados levantados pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) a pedido de VEJA.
Essa queda corrobora a tese de estudiosos de que somente uma parcela ínfima de investidores consegue sobreviver à atividade e uma ainda menor lucra, de fato, com esse tipo de operação. Dos 98 378 indivíduos que fizeram seu primeiro day trade, 99,43% não persistiram na atividade, de acordo com uma pesquisa realizada pelos professores da Fundação Getulio Vargas Bruno Giovannetti e Fernando Chague, com base de dados que cobria o período entre 2013 e 2017. Dos que resistiram, 97% perderam dinheiro e menos de 3% obtiveram algum lucro. “Day trade é igual cassino. Não é uma atividade que depende de habilidade. É pura sorte”, avalia Giovannetti. Em sua pesquisa, ele percebeu que, ao contrário do que se poderia imaginar, quanto mais a pessoa pratica a atividade, mais ela perde dinheiro. E os prejuízos não ficam restritos aos iniciantes.
O renomado investidor Fabrício Stagliano, considerado um dos figurões do day trade no Brasil, hoje prefere manter apenas uma parcela pequena de seu patrimônio nesse tipo de operação. O próprio ministro da Economia, Paulo Guedes, fundador do Banco Pactual, JGP e BR Investimentos, acumulou severas perdas com operações como essa no passado, quando, ao deixar a JGP no início dos anos 2000, decidiu seguir atuando como day trader. Recentemente, veio a público a história de um investidor que perdeu todo o dinheiro aplicado em derivativos de ações da Vale e Petrobras, e ainda ficou com uma dívida de 13 milhões de reais com a corretora XP, que agora cobra a conta na Justiça.
A popularização da bolsa a reboque da pandemia fez germinar um ecossistema de empresas, analistas ou simplesmente de palpiteiros do Twitter que prometem ensinar a investir e a dar boas dicas de como fazer o dinheiro render mais. Pelo lado positivo, eles diminuem a assimetria de informações, que anteriormente estavam disponíveis apenas aos grandes investidores. Por outro lado, essa onda de influenciadores e gurus de investimentos improvisados nas redes sociais, muitas vezes, impulsionou apostas arriscadas em ações de baixa liquidez que só trouxeram dinheiro a quem vendeu a dica, por meio de cursos ou relatórios. Uma pesquisa realizada pela Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) identificou 277 influenciadores de investimentos ativos em 2021, que alcançaram 91,5 milhões de seguidores em seus perfis no período de monitoramento. Em termos de comparação, o alcance é 14% maior que o dos veículos de imprensa e de portais da grande mídia especializados no mercado financeiro, que falam com 80,3 milhões de leitores. Agora, a CVM e a Anbima estudam a criação de uma regulamentação para esses influenciadores digitais.
O fenômeno do day trade não é apenas brasileiro. Nos Estados Unidos, tais operações se popularizaram entre jovens com a corretora digital Robinhood. Fundada em 2013, ela desenvolveu um sistema prático, fácil, intuitivo e que não cobra taxas para comprar e vender ativos com agilidade. Com pouco mais de 22 milhões de clientes, a Robinhood propaga a filosofia de “tornar os investimentos acessíveis a todos”. O problema é que a ideia de investimento fácil e acessível se avizinha da ilusão. O megainvestidor Warren Buffett é um dos críticos dessa conduta e sempre defendeu a compra de ações de empresas sólidas, para ganhos de longo prazo. É uma lição que vale ser observada.
Publicado em VEJA de 13 de julho de 2022, edição nº 2797