Bitcoin completa dez anos, mas ainda divide especialistas
Economistas duvidam de sua função como moeda de troca, enquanto entusiastas preferem olhar para a tecnologia como solucionadora de problemas complexos
Há exatos dez anos, era publicado o estudo “Bitcoin: um Sistema de Dinheiro Eletrônico Pessoa para Pessoa”. Quarenta e cinco dias antes, o gigantesco banco americano Lehman Brothers declarava falência. Essa era a resposta da comunidade da internet para a crise financeira global que se anunciava como a maior desde 1929. Desde então, milhares de outras moedas virtuais apareceram, pessoas ficaram bilionárias negociando esses “bites” e o mundo cada vez mais se preocupa com o seu papel no futuro da sociedade.
As tecnologias que foram criadas para sustentar as transações de criptomoedas, sendo o blockchain a principal delas, permitiram que a novidade ganhasse o caráter de uma das maiores inovações deste século. Porém, muitos países ainda são oficialmente contra, como a China. Outros, como a Venezuela, abraçaram-na e até fizeram suas próprias moedas virtuais. Em muitos locais do mundo, elas são utilizadas como moedas de troca.
No fim do ano passado, após completar nove anos de existência, um frenesi tomou conta de investidores. No Brasil, chegou-se a ter um número maior de CPFs detentores de moedas virtuais do que investidores na bolsa de valores. Cada bitcoin chegou a valer quase 20.000 dólares. Hoje, vale menos de um terço. Tudo sugere a existência de uma bolha, embora muitos digam que ela não tenha existido, pois a tecnologia continua a ser transacionada.
Qual o futuro da bitcoin e outras criptomoedas?
Ainda há muito ceticismo entre economistas sobre a real aplicação delas. Nem o uso do blockchain, uma tecnologia que promete trazer transparência à troca e ao registro de informações, além de ser o melhor sistema de criptografia já desenvolvido, é consenso.
“O sistema do bitcoin, o blockchain, não é público, nem descentralizado, como prometem. Há um pequeno número de mineradores, localizados na Rússia, na China e na Geórgia, que dominam três quartos da atividade. Então, essa descentralização é mais uma estratégia de marketing, do que se mostrou na prática”, afirma Christiano Arrigoni, professor de Economia e Finanças do Ibmec-RJ.
Além disso, segundo ele, é um risco para qualquer investidor comprar bitcoins, ou outras moedas, devido às fragilidades das corretoras. “Quase todas as transações ocorrem em bolsas de bitcoins. Elas não são descentralizadas e são inseguras em várias situações. Vários hackers já quebraram a segurança dessas corretoras e roubaram bitcoins de clientes”, afirma Arrigoni.
Outro ponto levantado por ele é que a tecnologia do bitcoin pode ser alterada por um pequeno grupo de programadores, influenciando todo o sistema. “A tecnologia do software é concentrada em poucas pessoas que têm o poder de mudar o código na hora em que quiserem e de forma não transparente. A riqueza somada de pouquíssimas pessoas que detêm um grande número de bitcoins é maior do que alguns países no mundo. Essa descentralização parece ser um grande mito”, critica Arrigoni.
Função social
Por outro lado, um mundo de oportunidades tem surgido com a tecnologia criada por Satoshi Nakatomo, o autor do estudo citado no início do texto – um pseudônimo que ninguém sabe dizer quem é.
Algumas moedas virtuais nascem com o propósito de ser transacionadas para algum fim específico. Elas são importantes para que a comunidade do blockchain seja acessada e, assim, as informações fiquem registradas de forma imutável. Isso permite que agricultores contratem drones para fazer pulverização de pesticidas em suas lavouras, ou que máquinas de lavar comprem do supermercado o sabão em pó que está acabando, ou que governos possam fazer eleições eletrônicas com auditoria em tempo real.
“Hoje o mundo olha para a tecnologia e pensa o que se pode fazer com ela”, diz Raquel Vaz, diretora da corretora CoinBene. “A mídia ainda está focada em discutir o papel financeiro das criptomoedas, mas elas vão muito além disso. Elas podem resolver problemas complexos”, diz.
Hoje, talvez, o maior experimento social utilizando criptomoedas esteja na Venezuela. Há cerca de dois anos, relatos surgiam sobre famílias que contrabandeavam computadores capazes de minerar bitcoins para conseguirem dinheiro. Isso virou moda e uma moeda tornou-se o padrão social: a dash. A cada mês, mais de 200 comerciantes passam a aceitar a criptomoeda, que é atrelada ao dólar. Estima-se que mais de 3.000 estabelecimentos aceitem a moeda virtual. Isso acontece porque a inflação no país, que deve passar de 1.000.000% neste ano, deprecia o bolívar dia a dia. A moeda oficial está completamente desacreditada.
Investimento
Muitas facetas do bitcoin foram descobertas nestes dez anos. Mas nenhuma delas ainda chama tanta atenção quanto a valorização meteórica que a criptomoeda teve desde o seu nascimento. O primeiro negócio feito com uma bitcoin foi a compra de duas pizzas, em Jacksonville, nos EUA, em 2010. Foram gastas 10.000 moedas para comprar duas pizzas. Isso precificou o bitcoin em 0,008 dólares. Desde então, ela valorizou 75.000.000%. O dono daquele Papa John’s que vendeu a pizza realmente fez um bom negócio.
Apesar dessa alta, nada sugere atualmente que a valorização vai continuar. De acordo com Sandra Rogenfisch, líder da área de tecnologia e economia digital do Vinhas & Redenschi Advogados, riscos como a volatilidade de preços, fraudes e esquemas de pirâmides, são muito comuns nesse mercado.
“Todos esses aspectos devem ser considerados na hora na decisão de aquisição de bitcoins. Não há bola de cristal. Como todo e qualquer ativo inovador, a possibilidade de ganhos está associada à volatilidade de preços que os ativos apresentam”, alerta a especialista.
Fiscalização
Além disso, no Brasil, Banco Central, Comissão de Valores Monetários (CVM) e Receita Federal enxergam o bitcoin e outras criptomoedas como ativos digitais e não como uma moeda. Atualmente, cada bitcoin vale aproximadamente 6.300 dólares (23.500 reais) e quem compra precisa declarar quando o valor superar 35.000 reais, além de pagar de imposto de renda sobre os ganhos.
A Receita, inclusive, acabou de abrir uma consulta pública para receber ideias sobre qual é a melhor forma de fiscalizar a transação de moedas virtuais. Segundo o órgão, houve um aumento significativo do mercado nos últimos anos e isso traz preocupação à administração pública. Um dos motivos é o uso do que a Receita chama de “criptoativos” em operações de sonegação, de corrupção e de lavagem de dinheiro. Afinal, um dos primeiros mercados da bitcoin foi a chamada Darknet, uma internet que não pode ser acessada pelos navegadores tradicionais, mas que disponibilizava transações de todo tipo de ilegalidades, como drogas ou armas, em troca de bitcoins.
“Dessa forma, a instituição dessa obrigação acessória, para que as exchanges prestem informações relativas às operações de compra e venda de criptoativos, vai na linha de viabilizar a verificação da conformidade tributária, além de aumentar os insumos na luta pelo combate à lavagem de dinheiro e corrupção, produzindo, também, um aumento da percepção de risco em relação a contribuintes com intenção de evasão fiscal”, conclui a Receita.