Trabalho: a distância entre o Brasil que emprega e o que demite
País fecha o semestre com saldo de 67.358 novas vagas, mas o balanço nacional mascara diferenças gritantes entre cidades e setores da atividade econômica
A criação de 67.358 vagas com carteira assinada de janeiro a junho traz um leve alento para um país mergulhado em prolongada crise. Foi o primeiro resultado positivo desde 2014. Em tempos de desemprego alto e incertezas na economia, o resultado traz esperança de dias melhores para quem busca uma ocupação para garantir o próprio sustento e o da família.
Mas o balanço nacional esconde diferenças abissais entre regiões e setores da atividade econômica. Enquanto há municípios que se beneficiam de setores aquecidos, com empresas contratando mais do que demitindo, outros ainda patinam na paralisia econômica.
O site de VEJA traz uma ferramenta que permite olhar, cidade a cidade, a situação detalhada do emprego formal no semestre, e analisa as principais influências no mercado de trabalho (consulte aqui).
Segundo os cálculos do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério do trabalho, a campeã de geração de vagas formais foi a cidade de Franca, no interior de São Paulo, com 6.001 postos criados. No lado oposto está o Rio de Janeiro, com a destruição de 42.343 postos de trabalho. O cálculo do Caged leva em conta a diferença entre as contratações e demissões com carteira assinada, e é diferente da taxa de desemprego, que mede quantos estão procurando trabalho (veja ranking com as 20 primeiras ao fim desta matéria).
Setores da indústria
No caso da cidade paulista, o setor que puxou as contratações foi a indústria de calçados, responsável por 4.294 vagas a mais no período. O setor calçadista é um dos poucos ramos industriais do Caged que gerou vaga no país no primeiro semestre.
Para o presidente do Sindicato da Indústria de Calçados de Franca (Sindifranca), José Carlos do Couto, o aumento é fruto de uma recuperação atrasada nos empregos do final do ano passado. Tradicionalmente, as empresas do setor contratam entre novembro e dezembro. Mas, em razão da queda nas vendas desde 2013, essa reposição de mão de obra tem sido postergada. “No ano passado, só recuperamos em outubro. Neste ano, estamos em julho e ainda não conseguimos recontratar”, explica. Ele avalia que o setor poderia recuperar os níveis de quatro anos atrás se houvesse uma política de exportação de calçados, como ajustes em impostos.
Outra cidade beneficiada por um setor em alta é Santa Cruz do Sul, no Rio Grande do Sul, que foi a terceira melhor do país no semestre, com um saldo de 5.078 vagas – diferença entre demissões e contratações. Segundo o vice-presidente da Associação Comercial e Industrial de Santa Cruz do Sul (ACI), Lucas Rubinger, o município se beneficia da indústria do fumo existente na região do Vale do Rio Pardo, que tem crescido nos últimos anos.
As empresas costumam contratar no começo do ano, por causa da safra, atraindo até moradores de cidades da região. E as indústrias têm investido. “Nos últimos anos, tem acontecido um crescimento contínuo, com avanço em técnicas como melhoramento genético, máquinas de secagem e colheita”, diz Rubinger. A indústria do fumo também foi o principal fator de contratação na vizinha Venâncio Aires, quarta melhor colocada do país (4.652 vagas a mais).
Agropecuária
A indústria de transformação foi um dos setores que gerou vaga no semestre, com 27.776 postos a mais. Mas o maior empregador do período foi o agronegócio, com um saldo positivo de 117.013 postos. O desempenho chama a atenção porque a indústria é muito maior que o campo em termos de trabalhos com carteira assinada: são 7,3 milhões de postos de trabalho contra 1,6 milhão.
Segundo Gilberto Braga, professor de Finanças do Ibmec, o agronegócio costuma registrar alta nas vagas no começo de ano. O que surpreende, em 2017, é o volume de contratações. “Isso poderia até ter sido maior se não tivéssemos crises no setor, como a da carne”, avalia. A safra recorde deste ano foi o principal motivo da alta do PIB no primeiro trimestre.
A produção agropecuária foi o principal fator de alta nas vagas na segunda colocada do país, Bebedouro (SP), com saldo de 5.198 postos abertos no setor. De acordo com o presidente do Sindicato Rural da cidade, José Oswaldo Franco, o movimento que acontece anualmente por causa da safra foi beneficiado em 2017 pelo desempenho da laranja, cuja colheita é manual. “Neste ano, está bem maior, com 360 milhões de caixas contra 280 milhões no ano passado. A colheita não tem como ser mecanizada. Estão testando máquinas na Flórida, mas ainda não tem”, explica. O bom desempenho no setor agrário também foi o que puxou a alta em cidades produtoras de laranja no estado, como Matão (12ª no ranking de emprego nacional) e Mogi-Guaçu (16ª).
Perdas
Enquanto o agronegócio e setores da indústria apresentaram bom desempenho, o comércio e a construção civil, dois dos grandes empregadores nacionais, registraram baixa. Essas quedas foram os principais fatores que fizeram com que o Rio de Janeiro liderasse as perdas, com 42.343 vagas a menos.
Segundo o pesquisador do Ibre/FGV, Bruno Otonni, o mau desempenho da economia da cidade é reflexo da combinação de várias crises: baixa no setor de petróleo, desequilíbrio fiscal do estado e o efeito do fim da Copa de 2014 e da Olimpíada de 2016. Os eventos esportivos trouxeram investimentos no estado, e motivaram grandes obras de infraestrutura.
Além da queda nos preços do óleo no mercado internacional desde 2014 a quase metade do valor, a Operação Lava-Jato também impactou a economia no segmento. “Não prejudicou só a Petrobras, mas o setor como um todo, como a indústria naval, que é muito importante para o estado”, explica Otonni.
A queda no comércio varejista, com 11.651 vagas a menos, é um sinal da atividade econômica difícil no município. Este setor costuma refletir os problemas em outras áreas de economia. A baixa no segmento, que demitiu 125.086 pessoa a mais do que contratou, pelo país, também foi fator importante nas cidades de Fortaleza (CE) e Duque de Caxias (RJ), segundo e terceiro lugar em perdas no Brasil, respectivamente.
Formalização
Para Sergio Firpo, professor de economia do Insper, é possível que os bons resultados de alguns setores, em meio a uma recuperação ainda tímida, se espalhem para outras atividades no segundo semestre.
Ele considera que a retomada do emprego deve ser influenciada pela instabilidade política e pelas novas leis trabalhistas, que entram em vigor a partir de novembro. As incertezas sobre o governo pesam na disposição das empresas em investir e contratar, enquanto a nova CLT pode aumentar as vagas com carteira assinada. “A desocupação caiu em junho, mas a maior proporção foi por aumento do emprego informal”, observa. O setor de serviços é um dos que tem potencial.