As principais críticas à isenção do Imposto de Renda e à tributação de dividendos
Tamanho da renúncia fiscal, riscos de bitributação sobre o pagamento de dividendos, perda de arrecadação dos municípios e inflação estão entre as críticas

Economistas, tributaristas e políticos começam a formular as primeiras críticas ao projeto de lei que isenta de Imposto de Renda quem ganha até 5 000 reais por mês, assinado ontem pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e entregue ao presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB). Para compensar os 27 bilhões de reais que o governo deixará de arrecadar com a isenção, o mesmo texto estabelece uma alíquota mínima de até 10% sobre quem ganha mais de 50.000 reais por mês. As principais ressalvas giram em torno dos riscos de bitributação, da perda de recursos por parte dos municípios, as incertezas quanto ao equilíbrio fiscal e do potencial impacto inflacionário.
O risco de bitributação se refere à cobrança de Imposto de Renda sobre o pagamento de dividendos. Taxar os dividendos é uma ambição antiga de diversos governos. Durante a gestão de Jair Bolsonaro, o então ministro da Economia enviou, em 2021, uma proposta para taxá-los em 20%. Ficariam de fora apenas os proventos pagos por micro e pequenas empresas, até o limite mensal de 20.000 reais. Naquela ocasião, a Câmara dos Deputados aprovou o texto, mas o projeto empacou no Senado e acabou engavetado.
A proposta apresentada agora pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, cria uma alíquota real de até 10% para quem ganha mais de 50.000 reais mensais. Como parte dos mais ricos recebe renda na forma de dividendos, os críticos apontam para o risco de bitributação. O motivo é que, embora o indivíduo que recebe tais proventos seja isento de Imposto de Renda atualmente, a empresa é tributada sobre os lucros, antes de distribuí-los aos acionistas. Logo, segundo os críticos, cobre o imposto do dividendo pago à pessoa física — seria o mesmo que tributar duas vezes os dividendos. O argumento da bitributação, aliás, foi decisivo para que o projeto de Guedes empacasse no Senado, alguns anos atrás.
A segunda crítica que começa a circular é a potencial perda de arrecadação dos municípios, decorrente da isenção para quem ganha até 5.000 reais. Atualmente, o Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) que incide sobre a folha de pagamento dos servidores municipais não é transferida ao governo federal e permanece no caixa das prefeituras, reforçando seu orçamento. Assim, a isenção reduziria o total de IRRF recolhido pelas cidades. Nesta quarta-feira 19, a Confederação Nacional dos Municípios (CMN) informou que a medida pode gerar perdas de quase 12 bilhões de reais às prefeituras no ano que vem.
A conta é composta por cerca de 5 bilhões de reais que os prefeitos perderiam com a queda do recolhimento de IRRF, além de aproximadamente 7 bilhões decorrentes da redução de repasses do Fundo de Participação dos Municípios (FPM). Hoje, o fundo é mantido com recursos do Imposto de Renda: 24,5% da arrecadação de IR é destinada a ele.
Parte dos economistas critica o impacto fiscal da isenção, mostra-se cética quanto à capacidade do governo de aprovar a taxação dos mais ricos e teme seus efeitos inflacionários. O mercado não está convencido de que a renúncia tributária seja de 27 bilhões de reais e projeta cifras bem maiores. É o caso de José Alfaix, economista da gestora Rio Bravo, para quem a renúncia fiscal será de 40 bilhões de reais. “É esperado impacto positivo de 0,2% e 0,1% no PIB de 2026 e 2027, respectivamente”, diz. “No entanto, os impactos na inflação são mais significativos, com acréscimos na casa de 0,4% e 0,6% na inflação acumulada em doze meses para 2026 e 2027”, estima.
Marcus Pestana, diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado tem preocupação semelhante. “A medida vai aumentar o consumo, na contramão do esforço do Banco Central”, diz. “Qualquer medida de expansão da demanda efetiva numa situação de economia aquecida e com baixa capacidade ociosa, como é o nosso caso, pressiona a inflação e torna maior o desafio do BC.”
Pestana pondera que, mesmo que a isenção represente uma política de redistribuição de renda, cobrando mais dos ricos e beneficiando os mais carentes, sem aumentar a carga tributária, a pressão inflacionária será uma ameaça real. “A propensão marginal ao consumo dos mais pobres é muito maior do que a dos ricos”, explica, referindo-se ao impacto que cada acréscimo de renda tem no comportamento das classes mais carentes.