As iniciativas que buscam combater a histórica falta de diversidade no ambiente corporativo
Novas regras que estimulam a representatividade étnico-racial e de gênero nas empresas abertas entram em vigor neste ano, mas ainda dependem de regulação

A agenda ESG é uma realidade. O tema que designa o uso de critérios ambientais, sociais e de governança corporativa pelas empresas vem ganhando adeptos e atraindo profissionais interessados em adotar políticas alinhadas a essa pauta. Um aspecto, contudo, chama atenção: a baixa representação étnico-racial e de gênero em cargos de liderança nas companhias, uma defasagem histórica que deveria ser combatida com mais afinco. A boa notícia é que o quadro começa a mudar. Atualmente, diversas entidades trabalham para reduzir as desigualdades no ambiente corporativo. Entre elas está a Comissão de Valores Mobiliários, que aprovou o Anexo ASG, um conjunto de propostas desenvolvido pela B3, a bolsa de valores de São Paulo. Entre as recomendações, está a contratação de ao menos uma mulher e um integrante de comunidade sub-representada — pessoas pretas, pardas ou indígenas, do grupo LGBTQIA+ ou com deficiência — para o conselho de administração ou diretoria estatutária das empresas de capital aberto. A vigência das regras de diversidade nas altas lideranças começa neste ano.
O mecanismo proposto para a medida é o chamado “pratique ou explique”: as companhias listadas na bolsa de valores deverão informar, nos formulários de referência, quais foram as ações adotadas para atender às recomendações ou explicar os motivos da não adoção da diversidade. “No Brasil, não adianta somente estabelecer regras”, afirma Valeria Café, diretora-geral do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC). “É preciso engajar as empresas para que elas efetivamente adotem as práticas recomendadas.”
A iniciativa da B3 tem suas raízes. O Anexo ESG foi inspirado nas principais bolsas de valores do mundo, como a Nasdaq, nos Estados Unidos, que teve suas regras de ações afirmativas aprovadas pela SEC, a CVM americana, em agosto de 2021. O movimento é uma resposta a fatores incontestáveis: empresas mais diversas tendem a ter mais inovação, menos riscos e melhores resultados. A consultoria de gestão americana McKinsey & Company publica relatórios que identificaram o fenômeno desde 2015. Segundo os estudos, companhias em que a representatividade de mulheres e de pessoas não brancas é superior a 30% são mais propensas a superar financeiramente aquelas com diversidade menor. “Um time mais inclusivo nos ajuda a encontrar soluções criativas, relevantes e eficazes para concretizar as demandas de um público diverso, atingindo mais pessoas”, afirma Aline Lima, diretora de diversidade e equidade da empresa de cosméticos Natura, que adota medidas de inclusão desde 1980 — bem antes de o termo ESG ter sido difundido.
Iniciativas como a da B3 são um marco importante para o avanço da pauta de diversidade, mas a falta de sanções mais diretas para aqueles que não cumprirem as recomendações pode levar o tema a evoluir lentamente. Na visão de Alexandre Di Miceli, fundador da empresa de educação executiva Virtuous Company e especialista em governança e ética corporativa, as justificativas para a não realização das práticas tendem a ser genéricas e padronizadas. “O anexo recomendado pela B3 é atrasado e tímido”, afirma. Segundo Di Miceli, o assunto é debatido no país há mais de vinte anos e somente agora está tomando forma. “A medida, claro, é bem-vinda, mas um círculo vicioso se rompe apenas com alguma força externa, que só poderia vir, como veio em países como a Inglaterra e a França, por meio de uma regulação.”
Para os que defendem o modelo “pratique ou explique”, a expectativa é de que isso estimule as companhias a se engajar no tema, seja ao aderir, ou ao menos ao ter de se explicar, passando pelo escrutínio público. “As empresas que entenderem como essas práticas são vantajosas, tanto social quanto financeiramente, sairão na frente”, afirma Valeria Café, do IBGC. Em um mundo marcado por injustiças sociais evidentes, estimular o avanço da diversidade étnico-racial e de gênero no ambiente corporativo é um caminho necessário e urgente.
Publicado em VEJA de 3 de janeiro de 2025, edição nº 2925