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As boas e as más notícias para o Brasil na guerra tarifária entre EUA e China

O país tem potencial para preencher espaços nas exportações para os dois países, mas pode enfrentar uma invasão de importados

Por Diogo Schelp Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 17 abr 2025, 11h13 - Publicado em 17 abr 2025, 06h00

Desde que o presidente Donald Trump virou do avesso o comércio global ao anunciar um tarifaço que tornou os Estados Unidos um dos países mais protecionistas do mundo da noite para o dia, governos, empresas e economistas passaram a se dedicar ao difícil exercício de prever quem ganha e quem perde com as mudanças. A queixa quase unânime é a de que qualquer conclusão sobre isso, essencial para definir investimentos e estratégias de venda, só terá validade até a próxima jogada inesperada de Trump, que amplia ou restringe o alcance das tarifas a cada momento sem um critério claro. A verdade, porém, é que os rumos do comércio mundial não dependem só do ocupante da Casa Branca, mas também de como a China vai atuar nessa disputa. Esse é o elemento central para saber, por exemplo, se o Brasil, cujas exportações dependem muito desses dois países, terá vantagens ou desvantagens com a briga entre eles.

Se as tarifas cobradas de forma recíproca entre os dois países permanecerem na estratosfera e o Brasil continuar submetido “apenas” à taxa adicional de 10% que Trump impôs para todo o mundo, teremos uma situação favorável para as exportações de alguns produtos, como os agropecuários, mas resultados mistos para outros, como o de calçados. A soja é um caso exemplar. Em 2016, quando Trump foi eleito para seu primeiro mandato, as exportações de soja de EUA e Brasil para a China estavam praticamente empatadas. Depois que Trump impôs as primeiras tarifas contra o gigante da Ásia e, em troca, enfrentou restrições aos produtos americanos, o jogo virou em favor do Brasil. As vendas de soja americana estagnaram, enquanto o grão brasileiro inundou o mercado chinês. Em 2023, o Brasil exportou mais do que o dobro de soja para a China do que os Estados Unidos.

arte Brasil

Quanto mais alta a tarifa cobrada pela China sobre a soja americana, maior o potencial de o Brasil ocupar esse espaço. O simulador de tarifas de um projeto nascido no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), uma das principais universidades dos Estados Unidos (veja o gráfico), mostra que, se a China mantiver uma taxa de 100% sobre as importações americanas, passará a comprar 10 bilhões de dólares a mais de soja brasileira por ano (até quarta-feira 16 a tarifa chinesa em vigor sobre a soja americana era ainda maior, de 135%).

O Brasil também venderia para a China mais carnes, milho e algodão, entre outros produtos agropecuários, em substituição aos concorrentes americanos. Lógica semelhante se aplica a um dos poucos setores de alta tecnologia em que o Brasil se destaca, o da aviação. Segundo o simulador, uma tarifa de 100% entre China e Estados Unidos elevaria as exportações de aeronaves do Brasil para o país asiático em 405 milhões de dólares por ano. A oportunidade já está sendo considerada pelo mercado financeiro. Na última terça-feira, 15, as ações da Embraer, fabricante brasileira de jatos executivos, valorizaram-se em mais de 3%, depois que o governo chinês proibiu suas companhias áreas de comprar aviões e peças dos Estados Unidos.

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EM ALTA - Fábrica da Embraer: ações dispararam com a notícia de restrições chinesas à compra de aviões americanos
EM ALTA - Fábrica da Embraer: ações dispararam com a notícia de restrições chinesas à compra de aviões americanos (./Divulgação)

Quanto às oportunidades que teoricamente se abrem no mercado americano para os exportadores brasileiros, os ganhos são mais incertos. Apesar de o Brasil ter a chance de aumentar a exportação para os Estados Unidos de alguns itens que atualmente são dominados pela China, mas que vão ficar muito caros por causa da tarifa mais alta, em outros casos as perdas serão inevitáveis devido às taxas setoriais impostas pelos Estados Unidos. O imposto de 25% que Trump aplicou sobre a importação de aço e alumínio, por exemplo, afeta duramente a indústria siderúrgica brasileira, que tem um peso importante na pauta de exportações. Além disso, manufaturas que são fortes no Brasil, como a têxtil e a de calçados, podem abocanhar um naco do mercado americano, mas correm o risco de sofrer com a inundação de produtos Made in China que iriam para os Estados Unidos. Um estudo feito por pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais concluiu, por exemplo, que a distribuição atual de tarifas praticadas por Estados Unidos e China levará a um aumento, pelo Brasil, de 0,8% das exportações e de 6,6% das importações de calçados e artigos de couro. Ou seja, os fabricantes brasileiros podem ganhar mercado externo, mas vão enfrentar uma concorrência ainda maior de artigos de fora.

RIVAIS - Trump e Xi: Brasil pode virar moeda de troca nas negociações entre os dois titãs
RIVAIS - Trump e Xi: Brasil pode virar moeda de troca nas negociações entre os dois titãs (Brendan Smialowski/AFP)
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O grande fator de incerteza para o Brasil é que o cenário de ruptura comercial entre os Estados Unidos, o maior mercado importador do mundo, e a China, o maior exportador, não deve perdurar. Em algum momento, Trump e o presidente chinês Xi Jinping, ou seus emissários, precisarão se sentar à mesa de negociação. Isso ficou claro com os avanços e recuos de Trump nos últimos dias. Num dia ele anunciou uma isenção para celulares, computadores e outros eletrônicos à tarifa de 145% que ele impôs aos produtos da China (que pode chegar a 245% dependendo do produto, conforme destacou o site da Casa Branca), aparentemente se dando conta de que seu país não tem condições de substituir essas importações rapidamente. No outro, voltou atrás dessa decisão e, na quarta-feira 16, anunciou restrições às exportações de chips de inteligência artificial da Nvidia para a China. Trump não é imune à pressão de setores empresariais. Entre eles, os produtores de soja dos Estados Unidos, tradicionais eleitores do republicano, estão desesperados, pois 52% de suas exportações vão para a China. Xi, por sua vez, apesar de comandar uma ditadura e não precisar se preocupar tanto com pressões internas, tem uma visão pragmática da economia e sabe que não é tão fácil assim diversificar as exportações ou redirecionar a produção para o consumo interno.

arte China

Em uma negociação entre eles, dentro da hipótese mais preocupante para o Brasil, o país pode virar moeda de troca. “Trump pode dizer, por exemplo, que reduz as tarifas desde que a China aumente a importação de soja americana em detrimento da brasileira para equilibrar a balança comercial”, diz Marcus Vinícius de Freitas, professor visitante da Universidade de Relações Exteriores da China, em Pequim. Como se sabe, o jogo principal se desenrola entre Trump e Xi. Cabe ao Brasil identificar e aproveitar oportunidades nesse novo e incerto horizonte, sem deixar de se preparar para agir em um cenário que traga para cá nuvens negras de prejuízos econômicos.

Publicado em VEJA de 17 de abril de 2025, edição nº 2940

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