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Ambição distante: o dilema de Lula na COP30 sobre o uso de combustíveis fósseis

O governo se empenhou para emplacar um acordo pelo fim gradual do uso, mas esse objetivo esbarra na demanda crescente por energia

Por Diogo Schelp Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO , Ricardo Ferraz Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 28 nov 2025, 06h00 • Atualizado em 30 nov 2025, 10h50
  • Em meio às numerosas propostas discutidas na COP30, a Conferência do Clima da ONU encerrada no último dia 22, em Belém (PA), uma delas, em especial, dividiu ao meio os 196 países nas negociações, tanto que nem sequer foi mencionada no documento final. Trata-se do “mapa do caminho” para o fim gradual do uso de combustíveis fósseis. A inclusão do tema nas conversas causou espanto nos participantes desde o dia de abertura do evento, quando o presidente Lula defendeu, em seu discurso, a ideia da lavra da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva. Afinal, a meta de reduzir o uso de petróleo, gás natural e carvão como fontes de energia não havia sido discutida a fundo nos eventos preparatórios para a COP30.

    Uma semana e meia depois, Lula voltou a Belém com o objetivo de “destravar as negociações”. Nos bastidores da convenção, encontrou-se com representantes da China, da Índia, da Indonésia, da União Europeia e de países árabes, latino-americanos, africanos e pequenas ilhas ameaçadas pela elevação do nível dos oceanos. Foi um esforço de diplomacia presidencial incomum, considerando que os interlocutores estrangeiros eram de níveis hierárquicos inferiores. Os árabes ficaram especialmente incomodados com a quebra de protocolo. Em todas as conversas, Lula martelou na tecla de que o texto final da COP30 deveria conter o mapa do caminho para deixar os combustíveis fósseis, responsáveis por 80% das emissões de gases do aquecimento global. “A intervenção de Lula naquele momento foi pior para as negociações do que o incêndio ocorrido em um dos pavilhões no dia seguinte”, disse a VEJA, na condição de anonimato, o ministro do Meio Ambiente de um importante país europeu. Para além da queimada de largada diplomática, não ajuda em nada esse discurso o fato de o próprio Brasil estar investindo no aumento da produção, com a exploração do petróleo na Margem Equatorial.

    ESFORÇO - Marina Silva na cerimônia de encerramento da COP: consenso difícil
    ESFORÇO - Marina Silva na cerimônia de encerramento da COP: consenso difícil (Ueslei Marcelino/COP30//)

    Como já era esperado, a resistência de países dependentes de petróleo impediu um consenso, mas o assunto ganhou sobrevida porque o presidente da COP30, o embaixador André Corrêa do Lago, cujo mandato se estende por um ano até a próxima edição da conferência, na Turquia, decidiu criar um mapa do caminho paralelo e pretende envolver a todo-poderosa Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) na conversa. “A possibilidade de continuar essa discussão sobre os combustíveis fósseis ao longo dos próximos meses, mesmo sem um consenso estabelecido, e de atrair a ciência, o setor privado, a sociedade civil, além de estados e municípios, para essa pauta é uma inovação positiva da COP30”, diz Lívia Pagotto, secretária-executiva da rede Uma Concertação pela Amazônia.

    arte COP30

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    Segundo projeção da Agência Internacional de Energia, seria preciso reduzir em três quartos a queima de combustíveis fósseis para obter a neutralidade de carbono (quando a emissão e a absorção global de gases de efeito estufa se igualam) por volta de 2050, um feito necessário para evitar o aquecimento da atmosfera acima de 2 graus em relação aos níveis pré-industriais. Essa, no entanto, é uma meta difícil de ser alcançada. A humanidade vem utilizando petróleo e gás natural para produzir energia há pelo menos 150 anos, e carvão por ainda mais tempo. Em diversos países e para diferentes aplicações, essas são ainda de longe as opções energéticas mais baratas e mais disponíveis.

    A participação dos combustíveis fósseis na matriz energética global vem caindo paulatinamente nos últimos anos e dando lugar a fontes renováveis. Mas mesmo as estimativas mais otimistas indicam que a dependência de petróleo, gás natural e carvão continuará sendo significativa nas próximas décadas, por uma razão muito simples: a demanda por energia não para de crescer. Isso se deve principalmente a dois fatores. O primeiro é que existe uma enorme desigualdade energética no mundo. Em 2024, cada cidadão americano consumiu, em média, 214 gigajoules, enquanto o gasto per capita dos brasileiros foi de 49 e dos sul-sudaneses, na África, de apenas 2 gigajoules. Conforme os países pobres se desenvolvem e avançam em qualidade de vida, o consumo de energia per capita de sua população tende a aumentar. O segundo fator é o boom de tecnologias digitais intensivas em uso de energia, como a inteligência artificial. “Atualmente, os data centers, que armazenam e processam os dados, consomem 1,5% da energia gerada no planeta. Até 2030, essa proporção vai dobrar”, diz Pedro Rodrigues, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura. “Nos Estados Unidos, os data centers já demandam o equivalente a um terço de todo o consumo energético do Brasil.”

    arte COP30

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    A grande desafio é como reduzir a queima de combustíveis fósseis e, ao mesmo tempo, atender à crescente demanda por energia. Há dois caminhos possíveis: substituí-los por fontes renováveis ou aumentar a eficiência do seu uso em outras situações. Foi assim que os Estados Unidos conseguiram reduzir o consumo de petróleo em proporção ao produto interno bruto pela metade desde o fim dos anos 1970. Mas o que impulsionou a mudança foi, principalmente, o aumento do preço do óleo cru e seus derivados. A lógica econômica também é o que permitiu que o Brasil e outras duas dezenas de países se comprometessem na COP30 a quadruplicar o uso de biocombustíveis até 2030. Mas essa não é, por enquanto, uma alternativa viável para a maioria dos países.

    INOVAÇÃO - Geração de eletricidade a partir de lixo, em Paulínia (SP): alternativa para zerar emissões
    INOVAÇÃO - Geração de eletricidade a partir de lixo, em Paulínia (SP): alternativa para zerar emissões (Claudio Gatti/VEJA)

    A grande questão para uma transição energética efetiva, portanto, é quem estaria disposto a pagar a conta. Na COP30, os países pobres e emergentes deixaram claro que a responsabilidade deve recair sobre as nações que enriqueceram à custa de um uso intensivo de combustíveis fósseis. André Guimarães, membro da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, dá como exemplo o que escutou de um ministro da Jamaica: o país não tem desmatamento e produz energia limpa, mas, para zerar as emissões, precisaria eletrificar toda a frota de veículos. “A Jamaica não pode comprometer o orçamento de educação, saneamento e outros serviços básicos para a população, que ainda precisam de muitas melhorias, para fazer essa transição energética. É uma questão de justiça”, diz Guimarães, referindo-se ao fato de que os compromissos de financiamento para ações climáticas em países pobres não avançaram na COP30. E assim a transição para longe dos combustíveis fósseis permanece uma ambição distante.

    Publicado em VEJA de 28 de novembro de 2025, edição nº 2972

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