Airbnb reformula conceitos para não ver modelo de negócios naufragar
A degradação de prédios e bairros que possuem muitos imóveis na plataforma passou a mobilizar as autoridades
Assim que surgiu, em 2007, o Airbnb provocou um terremoto no modelo tradicional de hospedagem. Com uma ideia simples — a possibilidade de qualquer proprietário alugar seu imóvel, por períodos curtos, para visitantes ocasionais —, a empresa angariou fãs, obrigou redes de hotéis a mudar a política de preços e deu novo alento ao turismo, com quartos disponíveis em inúmeras cidades do mundo. Desde então, tornou-se um colosso global com 4 milhões de anfitriões que, em dezesseis anos, receberam 1,5 bilhão de hóspedes de quase todos os países. Para além da comodidade, o aplicativo trouxe alguns efeitos indesejados. O mais visível deles diz respeito ao aumento dos valores cobrados para moradia permanente nas grandes capitais. Como o aluguel por poucos dias no Airbnb costuma ser mais rentável, os donos de imóveis elevaram os preços para quem deseja ocupar o espaço por períodos prolongados. “Os moradores das regiões centrais foram sendo expelidos pela dinâmica hoteleira do Airbnb, que, sem regulação, criou uma pressão sobre os preços dos imóveis”, diz Roberto Andrés, professor da Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
De uns tempos para cá, outro efeito negativo do modelo começou a chamar a atenção: a degradação de prédios e bairros que possuem muitos imóveis disponíveis na plataforma. O entra e sai de hóspedes e o baixo controle da origem deles passaram a incomodar velhos moradores. Resultado: as autoridades resolveram se mobilizar. Em setembro, a prefeitura de Nova York proibiu a locação de imóveis por períodos inferiores a um mês e vetou que mais de duas pessoas aluguem e fiquem num apartamento. Além disso, o anfitrião tem de estar presente no imóvel durante a estadia — não é difícil imaginar o constrangimento que a situação deve ocasionar. Outras metrópoles, como Londres e Paris, adotaram medidas similares com a explícita intenção de desestimular o uso da plataforma.
Um estudo realizado pela consultoria Reventure, especializada no mercado imobiliário, dimensionou o problema. Em 2016, havia nos Estados Unidos 200 000 imóveis cadastrados no Airbnb. Em 2023, o número subiu para perto de 1 milhão. Enquanto isso, o total de casas à venda no país caiu pela metade, de 1,2 milhão antes da pandemia para 600 000 atualmente. Como efeito direto desse fenômeno, há 65% mais casas anunciadas para alugar na plataforma do que listadas para venda em imobiliárias convencionais dos Estados Unidos. “O Airbnb trouxe várias quebras de paradigmas, mas é preciso haver um ponto de equilíbrio”, diz Caio Carrato, presidente da plataforma Apê11, imobiliária digital do Santander.
Como não poderia deixar de ser, o cerco das grandes cidades ao Airbnb começou a causar estragos na empresa. Desde o anúncio das novas limitações em Nova York, o aplicativo viu a sua oferta de locação na cidade diminuir 75%. A expectativa agora é para o próximo balanço da empresa. No relatório do segundo trimestre, seu resultado surpreendeu, com o aumento de 70% do lucro líquido em relação ao mesmo período do ano passado. Isso foi antes, ressalte-se, das restrições em Nova York, um dos principais mercados da companhia. Em entrevista para a agência Bloomberg, Brian Chesky, cofundador e presidente da empresa, afirmou que é preciso “colocar a casa em ordem”. Entre outras saídas imaginadas pelo executivo está a oferta de experiências adicionais para os hóspedes, como passeios guiados ou até sessões de fotos em pontos turísticos. A tendência, portanto, é que o Airbnb fique cada vez mais parecido com uma agência de viagens do que com uma rede de hotéis. Não deixa de ser irônico: uma empresa revolucionária terá de recorrer a velhas fórmulas para sobreviver.
Em nota, o Airbnb diz que “as novas regras de aluguel de temporada da cidade de Nova York são um golpe para a sua economia turística e para os milhares de nova-iorquinos e pequenas empresas nos bairros periféricos que dependem do compartilhamento de casas e dos dólares gerados através do turismo para ajudar a pagar as contas. A cidade está enviando uma mensagem clara a milhões de potenciais visitantes que agora terão menos opções de acomodação quando visitarem a cidade de Nova York: vocês não são bem-vindos”. Por fim, a plataforma afirma que “está confortável com a sua posição em relação às cidades e jurisdições em todo o mundo e quer continuar a fazer parcerias com as comunidades”.
Publicado em VEJA de 20 de outubro de 2023, edição nº 2864