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Acusação de interferência política acirra disputa de poder em tradicional fabricante de autopeças

Gestora acusa BNDESPar e Previ de atuarem como controladores ocultos da Tupy, um gigante que fatura R$ 10 bilhões

Por Amauri Segalla e Juliana Machado
Atualizado em 22 abr 2025, 12h27 - Publicado em 22 abr 2025, 12h12

A súbita e inesperada troca de comando na Tupy, tradicional fabricante brasileira de autopeças, se transformou em um dos episódios mais conturbados do mercado financeiro nos últimos meses. A decisão de substituir o então CEO Fernando Rizzo por Rafael Lucchesi — indicado pelo BNDESPar, braço de investimentos do banco estatal — foi classificada por acionistas como uma manobra política e desencadeou uma disputa societária que já chegou às instâncias regulatórias.

A nomeação de Lucchesi, ex-diretor da Confederação Nacional da Indústria (CNI) e sem histórico de atuação no setor automotivo, acentuou as críticas de investidores sobre a influência política na condução da empresa. Para minoritários, trata-se de uma indicação sem base técnica, feita sob a influência direta do BNDES, o que contraria os princípios de governança esperados de uma companhia listada no Novo Mercado da B3, segmento que exige os mais altos padrões de gestão corporativa. “Lucchesi jamais seria aprovado em um processo seletivo normal para uma empresa desse porte. Ele simplesmente não tem os pré-requisitos”, disse a VEJA Camilo Marcantonio, gestor e fundador da gestora. 

No movimento mais recente desse embate, a gestora Charles River enviou dois documentos à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e à B3 nos quais acusa irregularidades na governança da Tupy e questiona a legalidade da condução dos processos decisórios: 

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A gestora, acionista da Tupy há uma década e dona de 4,5% do capital da empresa, sustenta que o BNDESPar e a Previ, fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil, atuam de forma coordenada como controladores de fato da empresa — embora ambos neguem oficialmente essa condição. “Eles têm mais de 50% da Tupy, agem em conjunto, fazem indicações para a alta gestão, mas alegam não ser controladores”, afirma Marcantonio. “É uma distorção com efeitos graves para a governança.”

Segundo o formulário de referência mais recente da Tupy, de 17 de abril, o BNDESPar detém 28,2% das ações com direito a voto, enquanto a Previ possui 24,8%. Outros 10% estão nas mãos da Trígono Capital, e 6,4% das ações permanecem em tesouraria. O restante, 30,6%, compõe o chamado “free float” — ações em circulação no mercado, entre as quais se encontram os 4,5% detidos pela Charles River.

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Para a gestora, a configuração acionária e o histórico de votações no Conselho evidenciam a existência de um bloco de controle, o que obrigaria BNDESPar e Previ a assumir formalmente as responsabilidades previstas em lei para esse tipo de relação societária.

Nos documentos enviados à CVM e à B3, a Charles River acusa os dois principais acionistas de influenciarem diretamente as decisões estratégicas da Tupy, em especial na escolha de executivos, sem que essa influência seja reconhecida ou regulada como controle formal.

A Tupy é considerada um investimento atrativo no mercado. A empresa tem faturamento anual de R$ 10 bilhões e quase 20 mil funcionários, com histórico de bons retornos aos seus acionistas. Há agora o temor de que as indicações políticas acabem por afetar a competência técnica da empresa.

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As ingerências políticas se tornaram mais evidentes a partir de 2023, quando o Conselho de Administração da Tupy recebeu novos integrantes. O ministro da Previdência Social, Carlos Lupi, e a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, assumiram assentos no colegiado após a renúncia de três técnicos do BNDES. Também entrou para o conselho o ministro da Controladoria-Geral da União (CGU), Vinícius Marques de Carvalho.

Nos bastidores, a avaliação entre acionistas minoritários é que as indicações carecem de experiência técnica no setor industrial. “Foi um ponto que já consideramos negativo na época”, diz Marcantonio. A remuneração de um conselheiro na Tupy pode chegar a quase R$ 1 milhão por ano, o que aumenta a pressão por critérios mais rigorosos na escolha dos nomes.

Em um dos documentos enviados à CVM, a Charles River pede o adiamento da assembleia marcada para 30 de abril, quando será eleito o novo Conselho de Administração e o Conselho Fiscal. O fundo argumenta que o prazo é insuficiente para que a autarquia analise a denúncia e decida sobre o caso. Para esta assembleia, os nomes de Franco e Lupi não estão entre os indicados, mas Vinícius Carvalho foi indicado para permanecer no cargo.

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A Charles River indicou Mauro Cunha, ex-presidente da Amec (Associação de Investidores no Mercado de Capitais) e um dos principais defensores dos direitos dos acionistas minoritários, para concorrer a uma vaga no conselho. Em bloco, BNDESPar, Previ e Trígono devem manter sua influência nas demais indicações, como ocorreu em outras eleições.

Mesmo com menos de 5% das ações com direito a voto, a Charles River se aliou a outros minoritários, como a gestora Organon, para alcançar o quórum necessário e solicitar a adoção do chamado voto múltiplo — mecanismo que aumenta as chances de os minoritários elegerem representantes para o conselho.

A disputa vai além do Conselho de Administração. A Charles River também pleiteia o direito de realizar uma eleição em separado para o Conselho Fiscal, possibilidade prevista em lei para garantir a presença de um representante dos minoritários nesse órgão de fiscalização. No entanto, o direito só se aplica quando há o reconhecimento formal de que existe um grupo controlador — justamente o ponto de divergência no caso.

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“O BNDES deveria ser um exemplo de governança no Brasil, mas está fazendo exatamente o oposto”, afirma Marcantonio. Segundo ele, a gestora já articulou a união de minoritários que, juntos, somam mais de 10% do capital, requisito necessário para o pedido de eleição em separado.

Caso a CVM não reconheça BNDESPar e Previ como controladores ou não aceite o adiamento da assembleia, Marcantonio admite que irá “avaliar alternativas”. O episódio, afirma, já deteriorou a percepção de risco sobre a Tupy. “Piora muito a nossa visão sobre a companhia”, conclui.

Procurados, Tupy, BNDES e B3 não se manifestaram até o fechamento dessa reportagem. A gestora Trígono Capital afirmou em nota que não há acordo entre os principais acionistas e defendeu a qualificação técnica dos conselheiros que indicou para a próxima eleição. A Previ informou que não vai se posicionar. 

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