A revolução silenciosa que vai mudar sua conta de luz
A abertura do mercado de energia elétrica para todos os consumidores pode revolucionar o setor e baratear a conta de luz, se o Congresso Nacional não atrapalhar
Por Diogo Schelp
Vai ser uma revolução no setor elétrico. A partir de dezembro de 2027, todos os consumidores brasileiros serão livres para escolher de quem vão comprar energia elétrica. A eletricidade vai ser vendida com a mesma lógica dos pacotes de internet: atraindo os clientes com ofertas de preços baixos e serviços mais inovadores. Será possível, por exemplo, contratar uma comercializadora de energia que dá preferência a fontes renováveis no seu fornecimento. Ou optar por um modelo que garante descontos melhores nos dias de maior consumo. A inteligência artificial, aliada a novos relógios medidores, será usada para permitir que os moradores gerenciem sua conta de luz, identificando quais aparelhos estão gastando mais e em quais horários. O mercado livre de energia vai replicar a guerra de preços e a criatividade do comércio varejista.
Com base na experiência de outros países e nas características do setor elétrico brasileiro, a consultoria Thymos Energia e a Associação Brasileira de Comercializadores de Energia (Abraceel) estimam que a redução na conta de luz para quem aderir ao mercado livre pode variar de 16%, em um primeiro momento, a 30%, quando a novidade estiver consolidada. A proporção dos consumidores que vão deixar o atual mercado cativo, no qual a empresa que vende energia é a mesma concessionária que a distribui, contudo, não deve ultrapassar 70% do total do país. “As famílias de baixa renda que possuem isenção da conta de luz e as residências com painéis solares, por exemplo, não verão vantagem em migrar para o mercado livre”, diz Rodrigo Ferreira, presidente da Abraceel.
A abertura do mercado livre foi definida pela Medida Provisória (MP) 1300/2025, publicada pelo governo federal em maio. Atualmente, apenas as empresas conectadas à rede elétrica de média e alta tensão podem comprar energia no mercado livre, o que já representa nada menos que 42% da eletricidade consumida no país. A MP determina que a partir de agosto do ano que vem todos os estabelecimentos comerciais e industriais conectados à baixa tensão também poderão escolher de quem vão comprar energia elétrica. As residências serão as últimas a ter o direito de aderir.
A MP 1300 também amplia o alcance da tarifa social, com gratuidade total ou descontos significativos na conta de luz para mais de 17 milhões de famílias. A conta do benefício será rateada entre os outros consumidores. Para compensar, o texto da medida prevê o fim gradual, a partir do ano que vem, de subsídios a grandes projetos de fontes renováveis, como eólicas e fotovoltaicas, que também são pagos por encargos na fatura de todos os brasileiros. Atualmente, os subsídios representam cerca de 15% da conta de luz. O primeiro risco para o setor está na possibilidade de a MP, que deve começar a ser discutida em agosto pelo Congresso Nacional, ser fatiada pelos parlamentares, resultando na aprovação apenas da tarifa social, mas adiando a transição para o mercado livre e a revisão dos subsídios para as fontes incentivadas. Isso elevaria ainda mais os encargos para a maioria dos brasileiros, sem a contrapartida da redução do preço da energia em si. Em audiência na Câmara dos Deputados, Alexandre Silveira, ministro de Minas e Energia, pediu que a proposta não seja fatiada. Mais de 600 emendas foram apresentadas por deputados e senadores à MP 1300. “É preciso tomar muito cuidado para não onerar mais uma vez os pequenos consumidores, como costuma ocorrer a cada vez que se aprova uma lei para o setor elétrico”, diz Rosimeire Costa, presidente do Conselho Nacional de Consumidores de Energia Elétrica (Conacen).
Se esse primeiro obstáculo — o risco de não ser aprovada no Congresso — for superado, a regulação do mercado livre precisará levar em conta duas preocupações principais. A primeira é proteger o consumidor de situações que possam deixá-lo sem fornecimento de energia. Para isso, está prevista na MP a figura do Supridor de Última Instância (SUI), uma empresa que, de forma imediata e temporária, vai ficar encarregada de entregar eletricidade a quem ficou sem contrato. Isso pode acontecer, por exemplo, se a companhia que prestava esse serviço ao consumidor entrar em falência ou perder a classificação de varejista de energia concedida anualmente pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Os custos do SUI serão rateados entre todos os compradores do mercado livre, por meio de encargo aplicado na tarifa.
A segunda preocupação é com as distribuidoras, que atualmente cumprem a dupla missão de adquirir a energia das geradoras e de levá-la aos estabelecimentos e às residências por meio das suas redes. Isso porque, no modelo de mercado cativo, o consumidor de baixa tensão é obrigado a comprar a eletricidade da mesma empresa que conecta o fio à sua casa. Para atender a essa demanda, as concessionárias compram energia em contratos de longo prazo em leilões, com preço regulado. Com a abertura do mercado, elas perdem a exclusividade da revenda e correm o risco de não ter para quem repassar o direito à energia arrematada vários anos antes. “Segundo a MP 1300, as distribuidoras poderão se desfazer desses contratos e, se não conseguirem, a geração de energia prevista neles vai ser disponibilizada para o mercado como um todo, para que elas não tenham prejuízo”, afirma João Carlos de Oliveira Mello, presidente da Thymos Energia. As engrenagens do mercado livre precisam estar bem azeitadas para que uma revolução potencialmente benéfica não se transforme em caos.
Publicado em VEJA, julho de 2025, edição VEJA Negócios nº 16
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