A internet descobriu a fórmula das tarifas de Trump, e os economistas estão chocados
Para especialistas, alíquotas que os EUA dizem que os outros países cobram podem ter sido inventadas, e seriam baseadas no tamanho do déficit comercial

Havia passado apenas poucas horas desde o anúncio dos aumentos universais de tarifas feito pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, no fim da tarde desta quarta-feira, 2, e os grupos de WhatsApp de economistas no Brasil e, certamente, em todo o mundo, já compartilhavam entre si as primeiras teorias de como teria sido calculada a lista aparentemente um tanto aleatória de taxas por país apresentada por Trump.
Elas começaram a brotar nas redes sociais pouco depois de as tabelas de tarifas virem a público — e espantaram muitos especialistas, já que não só a conta bate, como seria uma fórmula bastante simplória para ter sido o subsídio que definiu provavelmente um dos maiores pacotes de barreiras comerciais já feito, aplicado pela maior economia do mundo e que aumenta os tributos de dezenas de países de uma vez (veja como fazer a conta mais abaixo). Até o vencedor do Nobel de economia Paul Krugman entrou para o rol dos abismados: “O tamanho das tarifas não é a única coisa chocante sobre o anúncio. O que se descobriu depois a respeito de como a equipe de Trump chegou a essas tarifas é ainda pior”, escreveu Krugman em um artigo em sua página pessoal.
O mais grave é que a suposta fórmula indica que as tarifas médias que Trump e sua equipe divulgaram como sendo aquelas cobradas atualmente pelos países parceiros podem estar no mínimo distorcidas, se não foram simplesmente inventadas. Isso ajudaria a explicar a estranheza que os especialistas mais familiares com o mundo dos fluxos internacionais e cobranças comerciais tiveram ao ver a já icônica imagem de Trump exibindo seu enorme painel digital com a lista de tarifas por país no dia do anúncio.
“As tarifas que os países estrangeiros estão supostamente cobrando de nós são simplesmente números inventados”, disse o jornalista norte-americano especializado em finanças James Surowiecki, em uma publicação no X na noite da quarta-feira. “A Coreia do Sul, com quem temos um acordo comercial, não cobra 50% de tarifa sobre as exportações dos EUA, nem a União Europeia cobra 39%”, continuou, mencionando os números apresentados na tabelona de Trump.

O que o governo dos EUA disse
De acordo com o governo norte-americano, as novas tarifas que aplicará seguem o princípio da reciprocidade: ou seja, os Estados Unidos passam a cobrar, agora, um imposto proporcional ao que o parceiro cobra deles. A nova tarifa para qualquer produto de fora entrar nos Estados Unidos passa a ser metade do que o seu país de origem cobra dos EUA, limitado a um piso de 10%. O argumento do presidente é que, com uma tarifa média da ordem de 2% sobre tudo o que importa, os EUA estão cobrando bem menos do que o resto do mundo em suas transações internacionais.
A União Europeia, por exemplo, que, de acordo com os números de Trump, aplica uma tarifa média de 39% sobre o que importa dos EUA, passará a pagar a metade disso para exportar para os EUA — 20%, na conta arredondada. O governo norte-americano, entretanto, não havia apresentado como chegou a esses 39% ou a todas as outras alíquotas que afirma pagar para o restante do mundo. Trump apenas disse que os números refletem “as tarifas cobradas sobre os Estados Unidos, incluindo manipulação cambial e barreiras comerciais”.
Qual parece ser a conta real
Flexport’s team was able to reverse engineer the formula the Administration used to generate the “reciprocal tariffs.”
It’s quite simple, they took the trade deficit the US has with each country and divided it by our imports from that country.
The chart below shows the… pic.twitter.com/01bUpfKgk8
— Ryan Petersen (@typesfast) April 3, 2025
Surowiecki foi um dos primeiros, ainda na noite de quarta, a chegar a um algoritmo que levaria a esses números a que o governo chegou, e que logo começou a correr pela internet. E o surpreendente é que a fórmula em nada tem a ver com a carga tributária desses países sobre as importações, mas com o déficit comercial que os Estados Unidos têm com eles, ou seja, em quanto suas importações extrapolam as exportações em cada destino.
A conta dos EUA para chegar ao que foi apresentado como a tarifa média aplicada por cada país seria:
- Saldo comercial (exportações – importações) / importações
Os valores dizem respeito às exportações e importações do ponto de vista dos Estados Unidos. Na prática, essa conta dá a proporção do déficit dos EUA com o país em relação a quanto importa deles. Caso o saldo com o país seja positivo para os Estados Unidos, aplica-se apenas a tarifa mínima, de 10%.
No mencionado caso da União Europeia, por exemplo, conforme calculado por uma revista:
- Déficit comercial dos EUA com a União Europeia: US$ 235,6 bilhões em 2024
- Importações da União Europeia para os EUA: US$ 605,8 bilhões
- Tarifa aplicada pela UE sobre os EUA, de acordo com Trump: 235,6 / 605,8 = 38,9, ou 39% (arredondado)
- Tarifa a ser aplicada pelos EUA sobre a União Europeia: 39 / 2 = 19,5, ou 20% (arredondado)
A fórmula foi replicada e testada por economistas e especialistas de todo o mundo e o resultado bate para todos os países. “Batemos a conta e é exatamente isso”, disse a VEJA o economista Livio Ribeiro, sócio da consultoria econômica BRCG e pesquisador especializado em comércio internacional no Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV). “É uma conta simples, sem uma avaliação profunda de nada.”
De olho no déficit, não no imposto
A suposta fórmula mostra que, embora Trump e sua equipe tenham desde o início destacado que o norte do pacote de “tarifas recíprocas”, como indica o próprio nome, seja o tamanho da tarifa aplicada por cada país parceiro sobre os EUA, o que realmente definiu a alíquota final a ser cobrada de cada nação foi o tamanho do déficit que os Estados Unidos têm em seu comércio com elas: e, naturalmente, quanto maior esse déficit, maior a tarifa.
É o que explica o Brasil, por exemplo, ter ficado no grupo dos que receberam a menor cobrança, o piso de 10%, enquanto minúsculas nações paupérrimas do Sudeste Asiático, como Camboja ou Vietnã, que se transformaram em verdadeiras extensões do parque industrial chinês, foram agraciadas com taxas superiores a 40%. A balança comercial do Brasil com os Estados Unidos é historicamente positiva para eles — quer dizer, nós já importamos mais do que exportamos para eles —, e atualmente está praticamente zerada, ou seja, importações e exportações estão equilibradas.
Yup. You nailed it. pic.twitter.com/kaj2c52Dp7
— corsaren (@corsaren) April 2, 2025