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Diretor de ‘Me Chame Pelo Seu Nome’ lança curta gravado no celular

‘Essa foi uma das poucas vezes em que o iPhone me foi útil’, brincou Luca Guadagnino em entrevista a VEJA no Festival de Veneza

Por Lucas Almeida, de Veneza
Atualizado em 10 set 2020, 15h28 - Publicado em 10 set 2020, 15h24
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  • Luca Guadagnino conseguiu encontrar a sua forma de “fugir” da quarentena italiana. O diretor, conhecido pelo filme Me Chame Pelo Seu Nome, gravou o curta Fiori, Fiori, Fiori! (Flores, Flores, Flores, em tradução literal), durante uma viagem no mês de maio pelo sul do país, região onde nasceu. O resultado da expedição, toda registrada com um celular e um tablet, foi exibido durante o Festival de Veneza, o primeiro festival de cinema a acontecer presencialmente desde o início da pandemia.

    O cineasta ainda lançou Salvatore: Shoemaker of Dreams no evento, um documentário sobre a vida de Salvatore Ferragamo. Também natural do sul da Itália, o estilista de sapatos ganhou reconhecimento por fazer calçados para estrelas americanas, como Sophia Loren, Greta Garbo e Audrey Hepburn. A produção mostra a ascensão do italiano, contando com entrevistas de membros da família Ferragamo, figurinistas e estudiosos de Hollywood, do afiado estilista espanhol Manolo Blahnik e até do cineasta Martin Scorsese.

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    Cena de Salvatore: Shoemaker of Dreams, documentário sobre a vida de Salvatore Ferragamo, dirigido por Luca Guadagnino (//Divulgação)

    Guadagnino conversou com a reportagem de VEJA em Veneza no dia da estreia dos filmes (usando tênis Prada para combinar com um conjunto de agasalhos marrom). Confira a entrevista:

    Por que decidiu fazer o curta Fiori, Fiori, Fiori!, viajando no meio da pandemia? Tem sido um período bem difícil para mim. Acho que tem sido para o mundo todo. Mas tive perdas na família e na minha vida pessoal. Me senti inquieto. Então, descobri que as produtoras estavam entre as empresas que tinham o direito de viajar na quarentena, caso precisassem. Fizemos todo o processo legal e conseguimos ir de Milão para a Sicília. Senti que mais do que falar de mim, seria interessante ver o que as pessoas com quem eu cresci no sul estavam falando.

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    Cena do curta Fiori, Fiori, Fiori! (Flores, Flores, Flores), feito no celular pelo cineasta Luca Guadagnino (//Divulgação)

    Como foi a viagem? Viajamos por quatro dias em um grupo de três pessoas. Filmamos tudo com um iPhone e um iPad. Uma das poucas vezes em que o iPhone foi útil. Quando a quarentena terminou, tive um jantar com o Alberto (Barbera, o diretor do festival) e ele falou “venha para Veneza com isso”. O que foi interessante é que estávamos em um momento denso, com pouco oxigênio, mas quando chegamos na Sicília, tudo estava colorido. Tinham flores por toda a parte. Senti que a natureza estava nos falando algo. Foi assim que decidi o título.

    Tem planos de fazer mais documentários? Documentários, para mim, são uma mídia muito fascinante, com muitos gêneros e possibilidades de forma, como a ficção. Agora, estou trabalhando no meu tempo livre em um novo sobre terrorismo.

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    O que te motivou a fazer um filme sobre Salvatore Ferragamo? O gatilho para mim foi pensar o que faz de uma pessoa um gênio e como podemos entender esse tipo de complexidade e mistério da identidade de um homem, que viveu a sua vida e testemunhou a sua presença no mundo como um gênio. Era isso o que eu queria explorar.

    Teve uma identificação com a história dele? As pessoas me acham arrogante, mas não sou tanto assim para me considerar um gênio. Mas posso dizer que já tendia a ser um cineasta desde muito novo. Eu tinha uma câmera super-wide quando tinha sete ou oito anos. Não era tão bom em filmar, como o Sr. Ferragamo era em fazer sapatos, mas eu sabia o que queria.

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    O cineasta Luca Guadagnino (ao centro) lança dois documentários no Festival de Veneza (//Divulgação)

    De onde veio o interesse para fazer um filme sobre moda? A moda é vital para entender a intersecção entre capitalismo e o imagético. E como um influencia o outro. Desde o início, a moda foi sempre capaz de antecipar os nossos desejos e criar nossas necessidades. Isso é o que é tão fascinante para mim. Além disso, a moda é um sistema que nos faz entender qual é a nossa relação com o consumo. Talvez, um dia, eu faça um filme sobre isso.

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    O que é a beleza para o senhor? A beleza está no olhar do expectador. A ideia de uma beleza absoluta é quase fascista. Não podemos dizer que não é um aspecto importante nos ensinamentos filosóficos ou por séculos para pinturas e esculturas. O problema é que, hoje, a beleza é uma moeda de troca para a superficialidade. Acreditamos que podemos acessá-la usando um filtro num aplicativo de rede social. Não quero ser derrotado pela orgia de imagens em que estamos imersos. Estou mais interessado na inteligência agora. Para mim, inteligência é ser capaz de receber o outro. De entender que você é diferente de mim e querer ser atravessado por essa diferença. A neta de Ferragamo conta de uma vez em que os sapatos falaram com ele… Ele era tão obcecado com o próprio trabalho e suas criações, que acredito nisso. Não acho que ele tenha criado algum tipo de conto de fadas.

    O cinema já falou com o senhor? Não posso negar que fazer filmes é um processo muito difícil e em diversos momentos você se sente derrotado, mais do que enaltecido. Par obter qualquer tipo de sucesso, é necessário passar pelo inferno muitas vezes. Nunca tive os meus filmes falando comigo, mas aprendi a não me sentir diminuído pelas dificuldades. Elas estarão lá constantemente e precisamos lidar com elas.

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