Frustrado com as limitações da vida humana, o jovem Fausto anseia por mais conhecimento sobre absolutamente tudo. Quando seu caminho se cruza com o do demônio Mefistófeles, ele vê uma oportunidade de realizar seu desejo: vende sua alma em troca de desbravar os saberes do universo. Narrado no século XIX pelo poeta alemão Johann Wolfgang von Goethe, o dilema moral do jovem Fausto é um clássico indisputável da literatura universal. Agora, quem diria, seu poema trágico torna-se uma das inspirações do novo livro de fantasia pop da escritora americana V. E. Schwab, A Vida Invisível de Addie LaRue.
Na França de 1714, Adeline é uma jovem que se vê forçada a casar. Desesperada, ela acaba fazendo um pacto com o diabo – aqui chamado de Luc – para ter liberdade. Mas, em troca de imortalidade, Addie jamais é lembrada por ninguém. A grande virada da história acontece quando, séculos mais tarde, um garoto se recorda dela.
Acrescentando um toque contemporâneo à história celebrizada no poema de Goethe, a barganha faustiana criada pela autora tem como protagonista uma mulher — e explorar esse viés é seu óbvio chamariz para as leitoras. A autora pensa que, nos livros, quando homens se tornam imortais, fazem absolutamente tudo o que querem, até se entendiarem. Mas essa realidade seria a mesma para uma mulher? “Refletindo sobre isso, fiquei pensando que uma mulher nunca teria o mesmo nível de autonomia. Os corpos femininos não conseguem se mover através da história da mesma forma que os masculinos. Então, isso se tornou o ingrediente principal da narrativa”, disse Schwab em entrevista via Zoom a VEJA.
O livro, publicado no Brasil este mês pela editora Galera Record, ocupou a primeira posição da lista dos mais vendidos da VEJA na categoria de ficção na semana em que foi lançado. Schwab já era muito conhecida, e querida, entre os jovens brasileiros graças às séries de livros Vilão e Os Tons de Magia.
Além das inspirações literárias, as experiências pessoais da autora também tiveram impacto na construção da história em torno do esquecimento de Addie. “Eu tinha uma avó que perdi para o Alzheimer e isso aconteceu ao longo de uma década. Por pior que fosse ver minha avó esquecer, era muito mais triste ver minha mãe ser esquecida por ela. Eu fiquei realmente interessada na ideia de legado e memória.”
Addie é bissexual – e essa é outra conexão entre a escritora e o livro. Durante muito tempo, personagens LGBTs foram relegados a meros coadjuvantes na literatura e suas histórias ficavam às margens dos heróis e heroínas. Aos 34 anos, Schwab, é uma mulher lésbica e busca trazer diversidade para o centro de suas jornadas de fantasia. “Eu não cresci vendo estas narrativas de forma explícita e normalizada, um dos motivos pelos quais escrevo sobre isso hoje. Como alguém que só se assumiu depois de adulta, eu particularmente não precisava de histórias de pessoas LGBTs se revelando, mas sim narrativas de existência e vivência”, conta.
Depois de trocar o desejo de cursar astrofísica pela literatura, V. E. Schwab vem ganhando espaço dentro dos romances de fantasia contemporânea. A autora, que frequentemente aparece na lista de best sellers do The New York Times, em breve vai ultrapassar as páginas dos livros para contar suas histórias nas telas, com as adaptações de Os Tons de Magia e deste mais recente A Vida Invisível de Addie LaRue.