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‘Tragédias recentes do país têm em comum a impunidade’, diz autora

Daniela Arbex comenta semelhanças entre seus best-sellers ‘Longe do Ninho’ e ‘Holocausto brasileiro’

Por Valmir Moratelli Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 9 Maio 2024, 11h21 - Publicado em 14 mar 2024, 14h48
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  • Com vasta experiência em diferentes veículos de comunicação, Daniela Arbex levou aos livros algumas das mais calorosas investigações de tragédias que tomaram a opinião pública nacional. Estreou na literatura com Holocausto brasileiro e em seguida lançou Cova 312, com os quais ganhou, em 2014 e 2016, respectivamente, o segundo e o primeiro lugares do Prêmio Jabuti, na categoria livro-reportagem. Recentemente, Holocausto brasileiro foi adaptado como documentário e lançado pela HBO em 40 países. Em Longe do Ninho (ed. Intrínseca), apresenta ao leitor uma investigação do incêndio que deu fim ao sonho de dez jovens promessas do Flamengo. Em conversa com a coluna, ela apresenta as comparações desses seus trabalhos.

    De que forma Longe do Ninho conversa com Holocausto brasileiro, já que são duas tragédias relacionadas a espaços que deveriam ser de “cuidado” e zelo com quem ali habitava? Longe do ninho conversa não só com o Holocausto brasileiro, mas com todas os livros que escrevi até aqui. Não por acaso, as tragédias ocorridas na história recente do país têm em comum a impunidade. Tanto no Holocausto brasileiro, quanto na boate Kiss, em Brumadinho e no Ninho do Urubu não houve nenhuma responsabilização, o que é assustador. Costumo dizer que a impunidade alimenta a próxima tragédia.

    Em seus livros, você acessa memórias afetivas e dolorosas de sobreviventes e parentes. Qual é o peso disso ao escrever livros baseados em “fatos reais”? De uns anos para cá, passei a entender que não há “peso”, mas privilégio. Memória afetiva é algo tão precioso, porque é um lugar que você só acessa se alguém te deixar entrar. Então, quando alguém compartilha contigo o que tem de mais importante, que é memória afetiva, a gente precisa honrar isso por meio da potência da palavra.

    Como é o seu processo para que consiga manter o distanciamento pessoal de histórias com grande repercussão midiática? Não acho que é preciso ter distanciamento, apenas ética e responsabilidade jornalística. Não dá para contar histórias tão densas e dolorosas como as que venho escrevendo na última década e estabelecer: agora é a jornalista, nesse momento é a mãe, no outro a mulher e mais à frente a cidadã. Nós somos complexidade, porque isso faz parte da natureza humana. E para desvendar a alma humana, a gente precisa estar disposta a fazer um mergulho profundo no coração do outro.

     Ao escolher falar da tragédia no Flamengo, você se aprofunda num caso que ainda não foi concluído na Justiça. Isso não seria um problema do ponto de vista jornalístico, mas um problema do ponto de vista literário. Concorda? Não vejo problema. A história de Longe do ninho, como todas as outras que conto, é sobre pessoas e não sobre o processo. Além do mais, com o sistema de Justiça que temos, incapaz de dar respostas para a sociedade, é impensável ficar à mercê de uma sentença. No caso da boate Kiss, aliás, já são onze anos sem justiça. Se, em todo esse período, eu tivesse ficado esperando uma responsabilização, não teríamos o livro Todo dia a mesma noite e nem a aclamada série homônima na Netflix. Além disso, meus livros mostram que a falta de Justiça dói tanto quanto a morte. Exatamente por isso, construir a memória coletiva do Brasil é um dos papeis mais importantes do jornalismo.

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     Tragédias recentes talvez permitam mais facilidade de acesso a depoimentos de envolvidos e documentos, por exemplo. Mas o distanciamento histórico não seria melhor para se averiguar com calma o desenrolar dos episódios? Como trabalhou esta questão ao pesquisar para o livro Longe do Ninho? Já tive a experiência de escrever sobre tragédias recentes e antigas. Em Holocausto brasileiro, fui investigar o paradeiro das pessoas institucionalizadas no Colônia 50 anos depois que elas foram fotografadas pelo fotógrafo da revista O Cruzeiro, Luiz Alfredo. Todos os meus livros carregam revelações e histórias que nunca foram contadas, mesmo tratando-se de tragédias amplamente cobertas. Hoje o Holocausto brasileiro é referência para a história da saúde mental no Brasil. O livro, aliás, é atualmente uma das referências bibliográficas para o concurso da defensoria pública do estado do Paraná. A questão não é o tempo, mas a qualidade da apuração. Além disso, penso que construir memória coletiva do Brasil é um caminho potente para a busca da justiça. Escrever sobre o Brasil profundo é uma forma de combater a cultura da impunidade.

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