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‘Os Encanadores da Casa Branca’ resgata trapalhões que detonaram Watergate

O astro Woody Harrelson fala a VEJA: 'A política virou luta livre'

Por Kelly Miyashiro Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 10h49 - Publicado em 28 abr 2023, 06h00
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  • Com ternos cafonas, perucas ridículas e óculos falsos, um ex-agente do FBI e um espião da CIA enferrujado invadem o consultório do psiquiatra de um funcionário do Departamento de Defesa dos Estados Unidos. Naquele início dos anos 1970, o burocrata em questão estava causando estrago na imagem do governo americano: ele havia vazado documentos que atestavam a manipulação da opinião pública durante a Guerra do Vietnã. Asseclas fiéis do então presidente Richard Nixon, Gordon Liddy (Justin Theroux) e Howard Hunt (Woody Harrelson) tinham convicção de que o espionado era comunista infiltrado e queriam prendê-lo. Deu tudo errado. Cubanos contrários a Fidel Castro escalados para ajudar na operação deixaram um rastro de destruição no consultório. Hunt deveria vigiar o psiquiatra, mas o perdeu de vista. Liddy deu bandeira ao quebrar um vidro. A sequência de gafes poderia facilmente ser obra do quarteto liderado por Didi Mocó no sucesso Os Trapalhões — mas foi empreendida por funcionários graduados (e reais) no centro do poder americano. “Somos encanadores. Consertamos vazamentos de informação”, assegura Hunt, mesmo após tamanha prova em contrário na impagável Os Encanadores da Casa Branca, minissérie que estreia na HBO Max na segunda-feira 1º.

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    Esse prelúdio cheio de nonsense resume o que se verá nos cinco episódios: a pouco conhecida história do grupo de assessores estratégicos que promoveram uma sequência inacreditável de desvios de conduta no afã de proteger Nixon e garantir sua reeleição no pleito de 1972 — mas cujas trapalhadas sem fim e completa falta de compostura acabariam produzindo o caso Watergate, escândalo que levaria à renúncia do presidente após a ameaça de um impeachment.

    TRISTE OCASO - O Nixon real: presidente renunciou para evitar impeachment
    TRISTE OCASO - O Nixon real: presidente renunciou para evitar impeachment (Don Carl STEFFEN/Gamma-Rapho/Getty Images)

    Em uma época de polarização ideológica e conspiracionismo que faz lembrar o clima extremista atual nas redes, Nixon estava à frente das pesquisas de intenção de voto para um segundo mandato. Mas o mandatário republicano ultrapassou a linha do aceitável na disputa contra o democrata George McGovern. Criou a força tática para sabotar o rival e escalou duas figuras dispostas a dobrar a lei para derrotá-lo: Liddy, um amante do nazismo enrustido, e Hunt, sobre quem pairava até a suspeita de envolvimento no assassinato de John F. Kennedy. Os dois colocaram em ação o mais ousado dos planos: plantar escutas ilegais na sede do Partido Democrata no prédio do complexo Watergate. Após quatro tentativas fracassadas por falha de equipamentos e incompetência pura, eles abusaram da sorte uma quinta vez — e, em 17 de junho de 1972, foram flagrados por um segurança noturno que acionou policiais, levando à prisão do bando.

    Todos os Homens do Presidente

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    O arrombamento virou uma nota curta nos jornais, mas a investigação dos repórteres Bob Woodward e Carl Bernstein, do Washington Post, dissecaria o escândalo — a apuração é detalhada no livro e no filme Todos os Homens do Presidente (1976), estrelado por Dustin Hoffman e Robert Redford. Nixon conseguiu ser reeleito na eleição de 1972. No entanto, conforme a investigação do Post avançava, os homens de sua confiança foram fazendo delações para se livrar da prisão, implicando o presidente. O republicano renunciou em 1974, antes de ser impedido por obstrução de Justiça e abuso de poder. Foi perdoado posteriormente, mas caiu no ostracismo político e é, até hoje, o único presidente da história americana a renunciar — sua ascensão e queda são contadas em filmes como Nixon, de 1995.

    ATRÁS DOS FATOS - Hoffman e Redford como repórteres do Post: incansáveis
    ATRÁS DOS FATOS - Hoffman e Redford como repórteres do Post: incansáveis (Warner Bros/AFP)

    Com atuações inspiradas de Theroux e Harrelson (leia entrevista do astro abaixo), Os Encanadores da Casa Branca revela o que movia a arraia-miúda do escândalo: Liddy e Hunt eram fanáticos que se viam numa guerra contra o “fantasma do comunismo”. A série ilumina, ainda, outro fenômeno recorrente dos bastidores da política: a capacidade infinita dos poderosos de plantão de se cercar de bajuladores absolutamente ineptos (o pessoal de Brasília que o diga).

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    O showrunner David Mandel explica que a produção nem precisa se esforçar para ser cômica. “É uma tragédia muito engraçada. Não escrevemos piadas: tudo realmente vem dessa história inacreditável. Mas em nenhum momento quisemos desvalorizar a seriedade dos abusos de poder”, disse ele a VEJA. A série também joga luz sobre a vida pessoal dos agentes (que acabaram presos por até cinco anos) — a esposa de Hunt, Dorothy (Lena Headey, de Game of Thrones), cumpre papel importante na história. Na Casa Branca ou em seu lar, os trapalhões do poder não se emendavam.

    “Política virou luta livre”
    Intérprete de Howard Hunt em Encanadores da Casa Branca, Woody Harrelson falou a VEJA.

    FIDELIDADE - Harrelson (à dir.) na série: aloprados em família
    FIDELIDADE - Harrelson (à dir.) na série: aloprados em família (./HBO)

    Como avalia o fanatismo por políticos como Nixon — essa síndrome piorou de cinquenta anos para cá? A política virou uma grande luta livre mundial, mas uma coisa não mudou: há sempre homens de negócios trabalhando para empresários poderosos.

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    A história dos encanadores nunca havia sido contada na ficção. Como foi o processo para dar vida a Hunt? Fiz muita pesquisa no material que existe sobre ele por aí e tentei seguir o roteiro — mas também brincamos com algumas partes para deixar a história verdadeira mais cômica.

    O escândalo Watergate é sempre retratado de forma séria, mas aqui ganhou tom satírico. Isso pesou ao aceitar o papel? Com certeza. Eu não me interessaria em fazer mais um drama-padrão sobre Watergate.

    Publicado em VEJA de 3 de maio de 2023, edição nº 2839

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