Um rei de um poderoso império perde seu único filho homem e escolhe declarar uma mulher como herdeira do trono. Em um universo patriarcal, marcado pelo machismo, a decisão do monarca desagrada a corte e a população, que não aceitam a ideia de ter uma mulher como soberana. O resultado é uma guerra violenta, movida por intrigas familiares e muito sangue derramado. A trama, é claro, descreve os acontecimento de A Casa do Dragão, série derivada de Game of Thrones focada no clã Targaryen — mas também aparece nos livros didáticos de história medieval, explicando um período real que serviu de base para a ficção famosa. “Me inspiro na História e depois pego elementos que intensifico”, disse o autor George R.R. Martin, antes de afirmar que a trama da nova série é baseada em um período chamado de “a anarquia”.
Inspiração para a dança dos dragões, embate entre a fictícia família Targaryen, o conflito real aconteceu na Inglaterra, entre 1138 e 1153. Mas a sequência de tragédias começou anos antes, em 1120, quando o Rei Henry I perdeu seu único filho homem e herdeiro, William Adelin, em um naufrágio. Como a esposa de Henry havia morrido anos antes, ele decidiu nomear sua filha, a Imperatriz Matilda, como herdeira, e se casou com uma mulher muito mais jovem na esperança de ter novos herdeiros. Ao contrário do que acontece na trama ficcional, em que a personagem Alicent tem com o rei dois filhos homens, o monarca inglês não teve mais descendentes. Por isso, preparou Matilda para sucedê-lo e fez com que a corte jurasse lealdade a ela. Já adulta, ela casou-se estrategicamente com um nobre da Normandia, e teve um filho, também batizado como Henry.
Tudo parecia encaminhado, mas quando o Rei Henry morreu, em 1135, parte da nobreza rasgou o juramento de apoiar Matilda em nome das tradições. Com a herdeira afastada do trono e o apoio de gente influente, o primo de Matilda, Stephen de Blois, surrupiou o trono, dando início a uma guerra civil. Os anos que se seguiram ficaram marcados por longos cercos brutais, que causaram efeitos desastrosos para os camponeses pegos no meio do conflito. Nesse período, campos e aldeias foram abandonados, impostos arbitrários foram cobrados e as pessoas morreram de fome. Uma crônica da época relata que a população, tipicamente religiosa, sofreu tanto que dizia-se que Jesus Cristo e seus santos deviam estar adormecidos.
Outra tragédia mudou o rumo da história: o único filho de Stephen de Blois morreu inesperadamente, deixando o reino, mais uma vez, sem herdeiros. Já em idade avançada e cansados de lutar, Matilda e o primo selaram um acordo de paz: Stephen seguiria como rei, e o jovem Henry II, filho de Matilda, o sucederia. O processo não demorou muito para se concretizar. Um ano depois, Stephen faleceu, e Henry II ascendeu ao trono que governaria por 35 anos, colocando um ponto final na guerra. Se A Casa do Dragão terá o mesmo final, só o tempo (e os livros de Martin) dirá.