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Porto Alegre: removidos de casa na Copa podem sofrer 2º despejo

Prefeitura suspende pagamento de aluguel social a cerca de 2.400 famílias, parte delas foi removida por causa de obras para o Mundial de futebol

Por Paula Sperb
Atualizado em 15 ago 2017, 17h53 - Publicado em 14 ago 2017, 16h11
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  • Todos os dias, Tarsis Campos, de 28 anos, empurra a cadeira de rodas do filho Guilherme, de 11 anos, em uma ruela sem calçamento à beira do arroio Passo Fundo, no bairro Nonoai, em Porto Alegre. O garoto tem paralisia cerebral e, portanto, não fala e não caminha. A mãe usou uma enxada para deixar a passagem mais adaptada ao filho, e vizinhos colocaram entulhos à margem do riacho para evitar deslizamento dentro da água.

    Mãe e filho moram de aluguel social na casa sem acabamento há três anos. Eles precisaram se mudar porque foram removidos de sua antiga casa, na Vila Tronco, para uma obra que deveria ter ficado pronta para a Copa de 2014. Agora, eles receberam um aviso de despejo porque a prefeitura da capital gaúcha não paga há meses os valores do aluguel social aos proprietários das residências. “Eu não pedi pelo aluguel social, fui removida e agora posso ser despejada”, disse Tarsis a VEJA.

    Tarsis e Guilherme não são os únicos nessa situação. Cerca de 2.400 famílias, quase 10 mil pessoas, que precisaram ser deslocadas em razão de diferentes obras não recebem o aluguel social do município e estão prestes a encarar um segundo despejo. As famílias moram em áreas pobres, em alguns casos sem energia elétrica e esgoto, porque o aluguel social não é suficiente para a locação de imóveis em áreas mais urbanizadas – o valor gira em torno de R$ 300 a R$ 500.

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    (Arquivo pessoal/Divulgação)

    Os atrasos não são novidade, mas se agravaram desde janeiro deste ano, quando a gestão do prefeito Nelson Marchezan Jr. (PSDB) assumiu o Executivo. De abril até julho, pelo menos 100 famílias procuraram a Defensoria Pública Estadual em busca de auxílio jurídico para retomarem seus direitos. A cada caso, a defensora pública Marta Zanchi solicitava explicações ao Departamento Municipal de Habitação (Demhab), mas não obtinha retorno. O volume de queixas resultou em uma ação coletiva movida em conjunto com a também defensora Patrícia Kettermann.

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    “A prefeitura simplesmente deixou de cumprir os contratos de aluguel sem direito de defesa para os prejudicados. O direito à defesa é o básico dos princípios jurídicos. Só em lugares pouco democráticos que não”, disse Kettermann à reportagem.

    Auditoria

    Procurada por VEJA, o Demhab admite a suspensão do pagamento do aluguel social. O descumprimento dos contratos, segundo o órgão, “se deu em razão da análise que está sendo realizada pela Auditoria da Controladoria Municipal, motivada por inúmeras denúncias de irregularidades [pessoas que recebem o aluguel social sem precisar, pessoas que recebem em nome de outra pessoa, entre outras ocorrências]. A auditoria foi instaurada em março e analisa 1.800 benefícios”.

    “A gente sabe que há pessoas que fraudam, mas não são as 2.400 famílias. O que nos aparenta é que querem economizar com eles [os cortes]”, disse Zanchi. A defensora alega que deveria haver corte apenas nos casos de irregularidades e, mesmo assim, os moradores deveriam ser ouvidos.

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    A prefeitura diz que o repasse do benefício “está sendo retomado de forma gradativa” para os alugueis “considerados regulares”. De acordo com o Demhab, a previsão é que a auditoria termine neste e mês e os pagamentos se normalizem até setembro.

    Em 25 de julho, Zanchi e Ketterman solicitaram à Justiça que a prefeitura pagasse imediatamente os valores atrasados. As defensoras também pediram ao Judiciário que o município fosse obrigado a notificar as famílias antes dos cortes, para que não sejam pegas de surpresa, como nesses casos.

    Em 31 de julho, o juiz José Coitinho indeferiu o pedido de liminar feito pela Defensoria Pública. A negativa do magistrado se baseou no fato de que obrigar a prefeitura a pagar imediatamente os valores “pode acarretar danos financeiros ao município de Porto Alegre, o qual notoriamente vem passando por inúmeras crises de cunho financeiro”. O juiz determinou uma audiência de conciliação, que será realizada nesta terça-feira.

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    ‘Exclusão social’

    Além do atraso, os moradores se queixam da exigência da prefeitura para que os alugueis sociais só sejam permitidos para imóveis que paguem o IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano). Muitas casas do aluguel social ficam em áreas que não são regularizadas por causa do valor baixo pago às famílias. Mesmo que Tarsis e Guilherme consigam regularizar o aluguel social, o contrato não será renovado porque o imóvel alugado está irregular.

    “O problema é que os imóveis com IPTU ficam em bairros melhores e o aluguel social não cobre o valor”, explica Tarsis. “Se eu ligar no registro de imóveis para checar esses endereços, eles vão dizer que não existe. São locais precários”, comenta Zanchi.

    A respeito da regularização fundiária e, portanto, a cobrança do IPTU, o Demhab respondeu a VEJA que cada caso será analisado individualmente. A defensora pública Kettermann rebate o argumento: “É uma nítida estratégia de exclusão social”.

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