Jair Bolsonaro é um homem com muitos problemas.
Precisa manter a governabilidade, sem a qual pode se inviabilizar e cair. Para isso, tem de manter o equilíbrio fiscal.
Precisa proteger seu clã: sua mulher, três de seus filhos, suas duas ex-mulheres e ele mesmo são alvo de investigações criminais. Para isso, tem de controlar a Procuradoria-Geral da República e ter boas relações no Supremo.
Precisa impedir que um processo de impeachment avance no Congresso. Para isso, tem de controlar o Centrão.
Precisa se reeleger. Para isso, não pode desagradar a seus eleitores ainda fiéis, e tem de viabilizar o Renda Cidadã, que custará 30 bilhões.
Bolsonaro escolheu para o Supremo Kassio Marques, indicado do Centrão e com bom trânsito na esquerda, e o levou a um beija-mão na casa de Dias Toffoli. Lá estava Davi Alcolumbre, interessado em obter o apoio do presidente e do STF para encontrar um meio (que a lei não prevê) de se manter presidente do Senado. A indicação de Kassio e a visita foram excelentes para estreitar as relações do presidente com o Centrão, o Supremo e o Senado.
Por outro lado, a escolha de Bolsonaro e o escandaloso convescote desagradaram profundamente a duas de suas bases eleitorais mais importantes: os radicais, com presença intensa nas redes, e a bancada evangélica, que esperava alguém mais conservador; Bolsonaro tentou consertar dizendo que “o próximo indicado será pastor”. Já o PGR Augusto Aras, que estava de olho na vaga e não é pastor, não deve ter gostado do soneto e menos ainda da emenda.
“Como Bolsonaro conseguirá manter o equilíbrio fiscal se gastar 30 bilhões sem cortar em lugar nenhum?”
Quanto ao Renda Cidadã, não é simples conseguir 30 bilhões num país quebrado e em recessão. Até agora, quase todas as ideias para obter o dinheiro foram descerebradas: tirar dos benefícios sociais (“dos pobres para os paupérrimos”), dar calote em quem já se deu calote antes (precatórios), tirar das crianças (Fundeb). Só uma boa ideia apareceu: fazer cumprir a lei que limita a 39 000 reais, remuneração de um ministro do STF, os salários dos servidores — ideia, aliás, tão boa que a gente se pergunta por que não foi tentada no começo do governo. Não foi tentada antes pelo mesmo motivo que não vai ser tentada agora: exige comprar briga com a elite do funcionalismo, o que consumiria trabalho e esforço, e tira voto.
Outro caminho para viabilizar o Renda Cidadã seria aumentar impostos, mas Rodrigo Maia já avisou que não vai pautar, e, se ficar para o ano que vem, só entra em vigor em 2022. Ainda que consiga aumentar impostos, Bolsonaro tem de flexibilizar o teto de gastos, o que não é fácil (Maia já avisou que não pauta) e com certeza derrubará os mercados. Resta aumentar o endividamento, mas a dívida já está alta demais, cara demais e perigosamente curta: o mercado vai reagir. É claro que Bolsonaro poderia fazer as famosas reformas, tão prometidas — mas sempre adiadas, porque, afinal, reforma dá trabalho e tira voto.
E como Bolsonaro conseguirá manter o equilíbrio fiscal se gastar mais 30 bilhões sem cortar em lugar nenhum?
Há malabares demais no ar. Se cair um, caem todos. E Bolsonaro nunca foi famoso por ser bom malabarista.
Publicado em VEJA de 14 de outubro de 2020, edição nº 2708