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A força de Rubem Fonseca e Garcia-Roza, nossos mestres do romance policial

Numa mesma semana, o Brasil perdeu seus dois maiores craques no gênero, que me influenciaram muito - e ainda vão influenciar muitas gerações de autores

Por Raphael Montes Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 17 abr 2020, 15h21 - Publicado em 17 abr 2020, 14h51
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  • Em dias seguidos, a literatura policial brasileira perdeu seus dois maiores mestres. Morto no último dia 15, Rubem Fonseca produziu uma obra extensa e potente, com contos secos e romances que flertavam com o gênero policial. Ainda que Fonseca não possa ser considerado “puro romance policial”, não restam dúvidas de que ele trouxe à literatura brasileira os elementos básicos do gênero: a violência urbana, com seus submundos; os personagens sarcásticos, brutos e de moral duvidosa e um estilo poético afiado à faca. Mandrake, seu personagem mais célebre, era advogado criminal, mas com fôlego de um detetive durão como Sam Spade ou Philip Marlowe, personagens célebres de Dashiel Hammet e Raymond Chandler. Um noir à brasileira. Suas obras, especialmente entre os anos 1960 e 1990, influenciaram toda a geração de escritores que vieram depois, policiais ou não.

    Meu primeiro contato com a obra de Rubem Fonseca foi na juventude, através do conto “O anjo das marquises”, do livro A Confraria dos Espadas (1998), um dos meus favoritos até hoje. Ali, estavam todos os elementos que tornavam Fonseca o maior autor da literatura brasileira. Produziu romances impecáveis como A Grande Arte (1983), Bufo e Spallanzani (1986) e Agosto (1990), mas foram seus contos que o tornaram um mestre incontestável, como Lúcia McCartney (1969), Feliz Ano Novo (1975), censurado pela ditadura militar; O Cobrador (1979) e Romance Negro e Outras Histórias (1992). Escreveu até o fim da vida, com os livros de contos Calibre 22 (2017) e Carne Crua (2018). Sua produção mais recente fez com que alguns críticos torcessem o nariz sob o argumento de que os textos não tinham a mesma vitalidade de outrora; ou seja, que emulavam apenas o “antigo Rubem Fonseca”. Sem entrar na discussão, posso apenas afirmar que mesmo esses livros são melhores do que a maioria da produção literária contemporânea de narrativas curtas.

    Não tive o privilégio de conhecer pessoalmente o Zé Rubem, como chamavam os mais chegados, mas cansei de ouvir elogios à sua visão irônica, ao seu jeito simpático e à sua gentileza com novos autores. Em 2016, publiquei o conto Volnei na antologia Heróis Urbanos (ed. Rocco), da qual Fonseca também participava com o conto Passeio Diurno, uma brincadeira com um de seus contos mais célebres, Passeio Noturno. No início desse ano, recebi o convite para prefaciar dois livros do mestre, Romance Negro e outras histórias e Bufo e Spallanzani. Agora, a missão se torna ainda mais séria. Sem Rubem Fonseca, eu não teria me tornado escritor.

    Com Luiz Alfredo Garcia-Roza, falecido no último dia 16, tive relação mais próxima. Conheci o delegado Espinosa, o personagem mais marcante e longevo da nossa literatura policial, aos treze anos, quando comecei a me interessar pelo gênero e descobri no sebo Baratos da Ribeiro as histórias passadas em Copacabana, bem na região onde morava e moro até hoje, entre o Bairro Peixoto e a Praça do Lido. Garcia-Roza, formado em psicologia e filosofia, dedicado à vida acadêmica durante 40 anos, com livros sobre filosofia e psicanálise, causou rebuliço ao começar sua coleção de romances policiais, um gênero considerado “inferior” pelos acadêmicos.

    Para calar a discussão, O Silêncio da Chuva (1996) ganhou os prêmios Jabuti e Nestlé, mostrando que romance policial, quando bem feito, é sim literatura das melhores. Depois, vieram Achados e Perdidos (1998), Vento Sudoeste (1999), Uma Janela em Copacabana (2001) e tantos outros. Protagonista de onze romances, o delegado Espinosa, com nome de filósofo, calmo, introspectivo, honesto, de hábitos simples, com gosto para boa música e boa literatura, é o nosso Maigret, personagem de Georges Simenon. Como Rubem, Garcia-Roza escreveu até o fim. A Última Mulher (2019), seu livro mais recente, é como uma saudosa conversa com um velho amigo, uma delícia para quem já é leitor de sua obra.

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    Primeiro como fã; depois como colega de editora, tive a alegria de encontrar com Garcia-Roza em diversas oportunidades. Quando ganhamos mais intimidade, brinquei com ele: “poxa, você roubou Copacabana de mim. Já escreveu sobre vários lugares que eu frequento, como a Trattoria, o árabe da Galeria Menescal e a praça do Lido”. Com seu jeito sereno, ele não respondeu, apenas sorriu. Quando publiquei meu segundo romance, Dias Perfeitos, Garcia-Roza leu e gentilmente concedeu um elogio que ajudou a impulsionar minha carreira. Em todas as nossas conversas, sempre aprendi muito.

    Mais tarde, nossos caminhos voltaram a se cruzar: como roteirista, fui convidado a escrever para TV a primeira série protagonizada pelo célebre delegado – Espinosa, no GNT. Em 2014, Tony Bellotto estava organizando a antologia Rio Noir, convidando autores para escrever histórias policiais, uma em cada bairro. Quando me telefonou para fazer o convite, Bellotto perguntou sobre qual bairro eu gostaria de escrever. “Imagino que Copacabana o Luiz Alfredo já pegou”, eu disse. Para minha surpresa, Bellotto respondeu que Garcia-Roza escolhera a Lapa e havia deixado Copacabana para mim. Ali estava minha resposta.

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