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‘Meu Nome é Gal’ dribla polêmicas ao retratar vida da cantora

Cinebiografia revela a gênese de uma das maiores vozes do Brasil, mas peca por mostrar um retrato superficial

Por Felipe Branco Cruz Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 10h21 - Publicado em 13 out 2023, 06h00
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  • A temperatura do lado de fora do teatro em Copacabana era sufocante. As tropas do Exército estavam de prontidão para coibir com violência qualquer ato considerado “subversivo”. Dentro, o clima era igualmente escaldante. Aos 26 anos, Gal Costa tornava-se a voz da tropicália, movimento cultural que refletia a ebulição criativa do período, ao estrear o espetáculo Fa-Tal — Gal: a Todo Vapor, com repertório de compositores ligados à contracultura. Até então, a cantora mantinha-se vacilante na oposição à ditadura. Mas mudara de ideia após o exílio em Londres dos amigos Caetano Veloso e Gilberto Gil. No filme Meu Nome é Gal, em cartaz nos cinemas desde quinta-feira 12, no aniversário de 52 anos da estreia do histórico espetáculo, a artista reage com contundência ao ser alertada da possibilidade de repressão dos militares: “Então, o show não vai acabar”.

    A cena atesta a marca principal do filme: enfatizar o papel corajoso de Gal na resistência à ditadura. Ambientado entre 1967 e 1971, e com uma convincente Sophie Charlotte no papel da artista, o longa mostra a gênese da baiana Maria da Graça Costa Penna Burgos, a Gracinha — que, ao se mudar para o Rio para viver com os amigos Caetano Veloso, Gilberto Gil e Maria Bethânia, se transforma em Gal Costa. A produção tem o mérito de reafirmar a estatura da cantora na MPB e apresentá-la à nova geração. Mas o recorte que prioriza só o início de carreira e seu show lendário torna a produção insuficiente como cinebiografia. A faceta política de Gal ganha dimensão dilatada em relação a outros aspectos de sua carreira, como o show do disco Índia, em que chocava ao tocar violão de pernas abertas, ou quando mostrou os seios ao cantar Brasil, de Cazuza, nos anos 1990.

    OUSADIA - Gal na famosa imagem dos anos 70: ela usou o corpo como bandeira
    OUSADIA - Gal na famosa imagem dos anos 70: ela usou o corpo como bandeira (Thereza Eugenia/Revista Brasileiros/.)

    Mais que cantar músicas memoráveis, afinal, Gal marcou sua época por usar o corpo como bandeira do feminismo e da liberação sexual. O filme acerta ao tratar sua homossexualidade com naturalidade, exibindo um romance lésbico da juventude. “Meu negócio é a música”, diz a personagem, irritada, a uma jornalista que insistia em saber sobre sua sexualidade. Na vida real, Gal continuou dando a mesma resposta sempre que questionada.

    O longa evita, sobretudo, as polêmicas da cantora — como problemas com empresários e, no fim da vida, a relação tóxica com a viúva Wilma Petrillo. Com roteiro e direção de Dandara Ferreira e Lô Politi, a produção levou seis anos para ficar pronta e teve as bênçãos de Gal, que morreu no ano passado, aos 77, sem ver o resultado. A ideia havia partido da própria artista, que anos antes gostara da série documental O Nome Dela é Gal, dirigida por Dandara a partir das cenas originais que restaram do show Fa-Tal. “O filme é uma declaração de amor a Gal”, diz a diretora, que também faz as vezes de Maria Bethânia em cena.

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    AMIZADE - Gal com Caetano (Rodrigo Lelis): cantor se torna coadjuvante de luxo
    AMIZADE - Gal com Caetano (Rodrigo Lelis): cantor se torna coadjuvante de luxo (Stella Carvalho/.)

    Sophie Charlotte defende bem o papel principal e é capaz de exibir até dotes vocais (embora só nos primeiros passos da artista: na hora dos clássicos, ela dubla). O ator baiano Rodrigo Lelis impressiona pela semelhança com Caetano Veloso e faz dele um coadjuvante de luxo. Também se destaca um personagem menos conhecido, Guilherme Araújo (o humorista Luis Lobianco), empresário que teve a ideia de usar o apelido Gal como alcunha.

    Apesar dos detalhes simpáticos, o filme peca pela ligeireza histórica (a relação de Gal com grandes figuras tropicalistas como Rita Lee e Bethânia é só esboçada) e diálogos rasos. Os personagens não se cansam de proclamar que ela será “a maior cantora do Brasil”. No final, fica a sensação de um retrato incompleto e com menos cenas musicais que comprovem a profecia.

    Publicado em VEJA de 13 de outubro de 2023, edição nº 2863

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