Escrevo esta coluna sem saber quem vai ganhar as eleições e se teremos ou não alguma confusão após os resultados das urnas. Mas tenho a certeza de que as eleições brasileiras terminam com todos os ingredientes de um novelão mexicano. Inclusive com o indefectível cállate. Afinal, até mesmo veículos de comunicação terminaram sendo censurados. Antes mesmo do primeiro turno, temas candentes e novelescos ocuparam a agenda dos debates. Menos o que realmente importava para os destinos do país. Não houve, a rigor, nenhum debate sério e aprofundado sobre propostas. Nesse sentido, alguns debates entre candidatos a governador foram muito mais densos e relevantes do que os debates presidenciais. O cardápio de temas extravagantes foi extenso: golpe de Estado, fake news, fiasco da terceira via, traições de intensidade variada, invasão do STF, ameaças de mortes, xingamentos a autoridades, agressões e assassinatos de militantes políticos, questionamento sobre as urnas eletrônicas, candidatos que foram sem nunca terem sido, previas que não valeram e quantidades industriais de besteiras ditas pelos candidatos.
“Na campanha, como em uma novela mexicana, o que importou foi a emoção, e não a razão”
O enredo prosseguia com ameaças de regular a mídia, revogar o irrevogável, menções a padres nicaraguenses e a jovens venezuelanas, acusações de canibalismo e “venezuelização” do Brasil. Fatos e factoides misturados em um caldo insosso de propostas e farto em bizarrices. Como em uma novela mexicana o que importou foi a emoção, e não a razão. O enredo foi ditado pela necessidade de estarrecer por meio da construção de narrativas emotivas. Que, ao cabo, pareciam querer desviar o “eleitor-expectador” da realidade para um metaverso de intrigas. O objetivo: a destruição da narrativa do outro. Para completar o roteiro, tivemos personagens pitorescos que compunham a festa estranha com gente esquisita. Como em uma novela, houve flashbacks com declarações de antes quando aliados eram adversários. E de agora, quando adversários de outrora viraram aliados. Na reta final, três episódios pontuaram a novela : a censura à Jovem Pan, o tiroteio de Roberto Jefferson e o chamado “radiolão”, com a não veiculação de propaganda de Bolsonaro.
Infelizmente, a corrida eleitoral deste ano foi um trem-fantasma de parque mambembe. Sustos e sobressaltos a cada curva. Espremendo o que foi dito ao longo da campanha, temos uma laranjada rala. Nenhum candidato disse a que veio. Mas tampouco os eleitores pareciam estar interessados. A escolha foi determinada pela rejeição. Simples assim. Alguém poderia dizer que o Brasil não merece o que está acontecendo. É verdade. Por outro lado, os brasileiros, infelizmente, merecem. Já que tudo o que ocorreu no processo eleitoral teve a participação ou a omissão de muitos. Os ânimos foram desnecessariamente exaltados. Regras foram subvertidas. Princípios foram abandonados. As informações foram distorcidas. Os desafios de uma nação em construção foram deixados de lado. Sobrará o que de um processo eleitoral novelesco? A novela acaba e os desafios do dia a dia vão se impor a um mundo político polarizado. Encerra- se o espetáculo e voltaremos à realidade que, no fim das contas, foi pobremente foi debatida nas eleições.
Publicado em VEJA de 2 de novembro de 2022, edição nº 2813