Cada vez que vetos presidenciais são postos na pauta do Congresso, é um “Deus nos acuda” na coordenação política do governo. Na quarta-feira 29, em mais um fracasso da articulação política do Palácio do Planalto, o Parlamento aplicou um pacote de derrotas ao presidente Lula (PT) por meio de votações que tiveram elevado grau de dissidência de partidos aliados. Na sessão conjunta realizada no Congresso, deputados e senadores indicaram ao governo Lula que conversa e voto favorável são possíveis quando se trata de sentar-se à mesa para discutir dinheiro público. Já quando se debatem temas impregnados de ideologia, as dificuldades aumentam.
Na votação sobre a definição do calendário de liberação de emendas ao Orçamento, o veto de Lula ao tema foi mantido após o governo ter acelerado o pagamento de verbas para redutos indicados pelos parlamentares. “Gentileza gera gentileza”, como dizia o profeta. O estoque de gentilezas, porém, é limitado, e o resultado foi outro quando se tratou de assuntos caros ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e a partidos de direita, como na semana passada. O Congresso deu aval ao veto de Bolsonaro ao projeto que criminaliza a disseminação de mentiras nas campanhas eleitorais; derrubou o veto de Lula à chamada “saidinha” de presos e o veto que tangenciava questões religiosas em relação ao uso do orçamento público. Essas votações revelam as dificuldades da coordenação política do governo e expõem a complexa dinâmica entre os interesses ideológicos e os interesses financeiros no Congresso.
“As derrotas não são um evento isolado, mas o prenúncio de um padrão que deve se repetir”
A resistência encontrada pelo presidente Lula para aprovar ou vetar medidas que sigam suas diretrizes sugere que as derrotas de 28 de maio não são um evento isolado, mas, sim, o prenúncio de um padrão que deve se repetir por uma confluência de fatores. Entre estes está o fato de que as agendas são complexas, a coordenação política é instável, os recursos são limitados, a comunicação é precária e o governo é frágil, tanto em relação aos seus projetos quanto em relação à sua execução.
A situação exige habilidade refinada em articulação política e concessões frequentes para manter a governabilidade — condições de que o modelo atual não dá conta. Essa dinâmica de poder reflete a realidade do semipresidencialismo de coalizão, no qual o presidente não detém uma autoridade absoluta e depende fortemente do apoio legislativo para implementar suas políticas. Assim, para terminar bem este mandato, o governo Lula terá de aceitar a coabitação nos espaços de poder, numa espécie de congressualismo de opereta. Outra opção seria navegar rumo à inviabilidade política.
Com um ano e meio de gestão, Lula ainda se surpreende com o Congresso. O ministério também vive uma ficção, a partir da percepção do que foram os governos Lula 1 e Lula 2. Naquele tempo, como disse um ministro, o presidente da Câmara dos Deputados ligava pedindo a liberação de emendas. Hoje são os ministros que ligam para o presidente da Câmara pedindo a alocação de emendas a seus programas. Conceitualmente, o sistema é melhor do que o hiperpresidencialismo, que nos legou escândalos magníficos. Porém, ao darmos mais poderes orçamentários ao Congresso, deveríamos ter os devidos mecanismos de controle. E não temos.
Publicado em VEJA de 31 de maio de 2024, edição nº 2895