Fazer uma bolsa em formato de ursos de pelúcia usando peitorais de couro e coleiras tirados diretamente do universo dos praticantes do sadomasoquismo parece o tipo de ideia de acordo com o estilo transgressor da grife Balenciaga.
Mas colocar duas meninas pequenas segurando as bolsas em fotos de campanha promocional ultrapassou até os limites flexíveis do mundo da moda.
Para piorar, outro anúncio mostrava uma elegante bolsa da grife sobre uma mesa com papéis espalhados – fazendo um zoom, dava para ver que um deles reproduzia uma decisão da Suprema Corte americana sobre pornografia infantil.
Assim que as fotos entraram nas redes, o tamanho da encrenca ficou claro e a grife não só repudiou veementemente sua própria campanha, como anunciou que estava processando a produtora responsável pelo segundo anúncio, numa ação que pede indenização de 25 milhões de dólares.
“Condenamos veementemente qualquer forma de abuso infantil. Defendemos a segurança e o bem estar das crianças”, disse a grife – o que mais poderia dizer?
Foi o segundo gravíssimo problema de imagem enfrentado pela Balenciaga, transferida pelo costureiro basco Cristóbal Balenciaga para Paris durante a Guerra Civil espanhola e venerada pelos especialistas em moda por causa das linhas arquitetônicas.
Curiosamente, os problemas envolvem o ex-casal Kim Kardashian e Kanye West. Quando o cantor e estilista autodidata disparou a falar atrocidades do mais puro teor antissemita, a grife cortou relações com ele. Kanye colaborava com uma linha feita em conjunto com o estilista da grife, Demna Gvasalia, um georgiano de nome exótico e ideias arrojadas.
O estilo foi levado ao ápice com Kim Kardashian, contratada para promover a grife: botas que parecem meias, luvas também usadas como extensão da roupa, peças justíssimas de látex e até um capuz cobrindo todo o rosto, como a que ela usou numa festa famosa. As referências ao figurino sadomasoquista são óbvias e não causam escândalo quando usadas por uma mulher adulta.
O problema para Kim foi ter que falar sobre as fotos envolvendo crianças. Ela – e certamente uma equipe enorme de relações públicas e advogados – demorou uma semana para dizer que, como mãe de quatro filhos, estava chocada com as fotos. E “reavaliando” o contrato com a grife.
Outras duas contratadas, Nicole Kidman e a modelo Gigi Hadid, não tinham se pronunciado.
A Balenciaga pertence ao grupo Kering, um conglomerado de luxo criado por François-Henri Pinault, conhecido fora do mundo da moda por ser casado com a atriz mexicana Salma Hayek. Outras marcas famosas do grupo são Gucci, Saint Laurent, Bottega Veneta, Alexander McQueen, Boucheron e Pomellato. Ou seja, não existe mulher famosa, de Kate, a princesa de Gales, a várias das atrizes mais conhecidas do mundo, que não tenha usado roupas de grifes do grupo.
Enfrentar duas crises graves de relações públicas ao mesmo tempo é um teste tremendo para qualquer empresa, mais ainda para uma que depende de celebridades para manter a própria imagem no topo.
Qual famosa usará despreocupadamente, no futuro próximo, algo com a assinatura Balenciaga?
Demna Gvasalia já conseguiu até transformar a tradicional sacola de feira – com as tiras coloridas feitas de couro, não nylon – numa bolsa desejada e vendida a 2 500 dólares. Vai conseguir superar a crise?
O mundo da moda perdoa rápido. John Galliano foi demitido da Dior em 2011, quando apareceu um vídeo com ofensas antissemitas a uma cliente sentada perto dele num bar parisiense, e em 2014 ressurgiu como diretor criativo da Maison Margiela. Carine Roitfeld teve que deixar a Vogue francesa depois da publicação de fotos de uma menina de dez anos em pose sexy, mas continua tão badalada quanto sempre.
E já tem gente culpando a “extrema direita” americana pela reação de repúdio às fotos das meninas, filhas de funcionários da Balenciaga, com os ursinhos fetichistas. Esses americanos não têm jeito mesmo…