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Paz injusta é melhor do que a guerra?

Avanços russos aumentam o cardápio de opções ruins para a Ucrânia

Por Vilma Gryzinski Atualizado em 4 jun 2024, 11h43 - Publicado em 11 jun 2022, 08h00
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  • Nós somos os elfos e os russos são os orcs. Assim, recorrendo à mitologia do Senhor dos Anéis, muitos ucranianos descrevem a guerra que os vizinhos brutais impuseram a seu país. A referência aos hediondos orcs pegou e virou uma designação comum para os soldados que bombardeiam, matam, estupram, sequestram e saqueiam. Apesar da ingenuidade da comparação, poucas vezes vimos, em nosso tempo histórico, uma luta tão clara entre o bem e o mal. Infelizmente, a vida real não é um filme hollywoodiano com final feliz garantido. Depois de quebrarem, literalmente, a cara numa invasão mal planejada, mal municiada de informações e mal executada, os orcs estão recuperando terreno e todo mundo está vendo o resultado: um avanço sistemático, baseado no velho conceito bélico de terra arrasada. Os ucranianos não têm elemento humano nem poder de fogo para enfrentar o bombardeio arrasador que está abrindo caminho ao avanço russo nas regiões separatistas. De sessenta a 100 combatentes ucranianos estão morrendo por dia e mais 500 ficando feridos, segundo um balanço surpreendentemente franco feito por Volodymyr Zelensky, o presidente que promete a vitória e a integridade territorial da nação, mas sabe muito bem que em algum momento terá de fazer concessões, mesmo que seja apenas para uma paz definida pela ausência da guerra, ao contrário do que pregava Spinoza.

    “Poucas vezes vimos, em nosso tempo histórico, uma luta tão clara entre o bem e o mal”

    A escola realista acredita que essa é a opção menos ruim para a Ucrânia. A alternativa é ser sistematicamente arrasada e sofrer perdas humanas devastadoras — para acabar cedendo do mesmo jeito no final. Já que não tem como arrancar uma vitória a um inimigo maior e mais poderoso (além de nuclearizado) e vai perder território mesmo, mais além das zonas sob ocupação russa antes de 24 de fevereiro — o contrário seria uma “fantasia”, ridicularizou o chanceler russo, Sergei Lavrov —, que evite fazer isso quando estiver no fundo do poço. Henry Kissinger causou um rebuliço tremendo ao defender esse espinhoso — e injusto — caminho. “Espero que os ucranianos mostrem tanta sabedoria quanto têm mostrado heroísmo”, apelou, provocando Zelensky a fazer uma furiosa comparação: “Parecia que ele não estava falando em Davos, mas em Munique” — palco da trágica tentativa europeia de apaziguar a Alemanha nazista, mesmo quando todas as evidências mostravam que nenhuma concessão deteria os planos de conquista de Adolf Hitler.

    Uma escola que vem sendo chamada de maximalista advoga o oposto: poupar Vladimir Putin de uma “humilhação”, como defende Emmanuel Macron, só vai alimentar o troll — ou orc. Seus defensores são os “próximos da lista”: países bálticos e Polônia, antigos integrantes, forçados, da esfera russa. Também há uma corrente dentro do governo ucraniano que, silenciosamente, defende concessões zero ao inimigo. Só pela força, a única língua compreensível pelo vocabulário político russo, será possível neutralizar o expansionismo putinista, argumentam. E Putin, em vez de poupado, precisa ser humilhado.

    As próximas semanas vão mostrar para qual lado a Ucrânia será levada a pender. Nenhum deles é fácil, mesmo para quem compreende a árida sabedoria de Spinoza ao diagnosticar: “O máximo de liberdade a que um ser humano pode aspirar é escolher a prisão na qual vai viver”.

    Publicado em VEJA de 15 de junho de 2022, edição nº 2793

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