Responsável pela Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura, Joelma Oliveira Gonzaga conheceu a ministra Margareth Menezes há 20 anos quando trabalhava numa extinta vídeo locadora em Salvador, e a cantora era apenas mais uma cliente.
Joelma Gonzaga indicava alguns filmes, Margareth Menezes pedia outros. Com o tempo, ficaram amigas e a ministra a aconselhou a estudar cinema na universidade. Dito e feito!
Duas décadas depois, com o convite do presidente Lula para que a artista assumisse o ministério da Cultura, Joelma Gonzaga – formada, com filmes premiados e exibidos em Cannes – assumiu a mais cobiçada secretaria da pasta.
Citada pela deputada Jandira Feghali após a coluna revelar um novo caso de “fogo amigo” no governo Lula que tem minado os esforços de Margareth para o setor, Joelma aceitou conversar com VEJA.
Na breve entrevista, trata das polêmicas no setor da Cultura envolvendo a parlamentar (entenda aqui), incluindo a atuação na “cotas de telas” – mecanismo que obriga a exibição de um mínimo de obras nacionais na televisão e no cinema. Segunda a secretária, Jandira atuou “à revelia do que havia sido construído de estratégia entre Senado e Ministério da Cultura”.
“Inicialmente, a deputada se posicionou a favor da retomada da cota de cinema no PL quando fosse feito o relatório, à revelia do que havia sido construído de estratégia entre Senado e Ministério da Cultura, no sentido de priorizar a cota de programação de TV, dada a urgência do prazo”, afirmou.
A Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura também disse que o Conselho Superior de Cinema é o “locus nato para o debate dos diferentes elos da cadeia do setor audiovisual”.
Leia os principais trechos da entrevista a seguir:
Secretária Joelma, a coluna escreveu uma reportagem com detalhes sobre discordâncias em relação a atuação de parlamentares da base governista no Congresso, incluindo a deputada Jandira Feghali. Você poderia comentar, sob a sua ótica, essas informações?
Joelma Gonzaga – O que tenho visto como parte integrante do Ministério da Cultura é uma gestão construída em diálogo constante com parlamentares, com a sociedade civil através de vários fóruns de participação social e um ambiente de muito trabalho, mas sobretudo de muito respeito.
Secretária Joelma, a senhora poderia comentar como tem sido feito acordos entre o executivo e o Congresso relacionados à tramitação do PL 3696/2023, que trata das “cotas de telas”? Alguma coisa incomodou você ou o ministério?
Joelma Gonzaga – O Executivo e o Congresso trabalham em parceria em diversas pautas, o objetivo é a construção dos melhores caminhos da sociedade brasileira e não seria diferente no campo audiovisual. Primeiro é importante explicar para nosso público leitor que o PL 3696/2023 trata de duas cotas de tela: a cota de tela para a exibição de filmes nas salas de cinema e a cota de tela para a exibição de conteúdos na programação da TV Paga. Ambas as cotas são amplamente utilizadas ao redor do mundo como requisito normativo mínimo para as exibições dos conteúdos nacionais nas janelas de exibição. Assim, contribuir na construção de um projeto de Lei que atenda aos diferentes agentes do setor audiovisual passa por articular, ouvir e subsidiar o legislativo de informações técnicas pertinentes para a construção da legislação. No processo do PL 3696/2023 não tem sido diferente, os agentes do campo da exibição (salas de cinema), da produção e da distribuição têm sido ouvidos pelo Ministério e pelos mandatos dos senadores. Lembrando que o PL já passou por três Comissões no Senado e, na última, a Comissão de Comunicação e Direitos Digitais, foram separados os debates das duas cotas que citei, com o PL seguindo para a Câmara apenas com a pauta da Cota de Tela para Programação de TV paga, neste processo não há o que incomodar, os debates e visões diferentes são pilares dos processos democráticos e, neste passo, é que temos buscado contribuir. Ressaltamos que a Cota de tela de programação da TV Paga representa um ponto de virada na Indústria Audiovisual Brasileira, onde saímos de uma presença de conteúdos de 1,5% em 2010 para 14,7 % em 2021, crescendo mais de 1000% a quantidade de conteúdos exibidos. Ou seja, a renovação dessa Lei é de fundamental importância para o desenvolvimento da Indústria Brasileira. O Executivo e o Congresso têm ciência da urgência, pois a legislação vence em 12 de setembro. Por outro lado, não deixaremos de atuar na recriação da cota de tela nas salas de cinema. Um novo PL está sendo trabalhado para que este tema retome às políticas para o audiovisual brasileiro.
Secretária Joelma, a deputada Jandira Feghali diz que fez “um relatório acordado com a presença da SAV [Secretaria do Audiovisual do Ministério], junto com todas as entidades do setor para poder retomar a cota de tela nos cinemas”. Poderia comentar a sua visão desses fatos?
Joelma Gonzaga – Antes de tudo queria ressaltar aqui meu respeito pela trajetória da Deputada Jandira Feghali, que tem uma vasta experiência e contribuição ao setor cultural. A Secretaria do Audiovisual (SAV) está empenhada com a reconstrução do audiovisual Brasileiro que foi duramente desmontado nos últimos anos. Construímos nossa gestão com um diálogo permanente com as entidades do setor, tal como o grupo de entidades G10, que representa as macrorregiões do país. Na última quinta-feira, 31, com a presença deles aqui em Brasília, reunimos com alguns parlamentares para tratar de pautas prioritárias do audiovisual como a Regulamentação do VOD e Cota de Tela. Inicialmente, a deputada se posicionou a favor da retomada da cota de cinema no PL quando fosse feito o relatório, à revelia do que havia sido construído de estratégia entre Senado e Ministério da Cultura, no sentido de priorizar a cota de programação de TV, dada a urgência do prazo. Vale lembrar novamente que votar apenas a cota da TV paga não significa que deixaremos de lado a cota de tela de cinema. Seguiremos no front para o retorno das cotas de telas de cinema, instrumento que existe desde os anos 30 e que foi fundamental para todos os ciclos virtuosos vividos pelo cinema brasileiro.
Secretária Joelma, a deputada Jandira Feghali anunciou a criação de um Grupo de Trabalho na Casa Civil para tratar o audiovisual como indústria. Esse GT seria composto por Ministério da Fazenda e Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços. Ao que parece, o Ministério da Cultura não teria muita importância no GT. O que a senhora pensa sobre isso? Como o MINC vê essa situação?
Joelma Gonzaga – Olha, o que posso dizer é que existe apenas um Ministério da Cultura e que nele existe o Conselho Superior de Cinema (CSC), órgão colegiado que entre as suas competências estão a formulação da política nacional do cinema, a aprovação de diretrizes gerais para o desenvolvimento da indústria audiovisual, e o estímulo à presença do conteúdo brasileiro nos diversos segmentos de mercado, conforme preconiza a MP 2228/2001. Portanto, o CSC é o locus nato para o debate dos diferentes elos da cadeia do setor audiovisual. O Ministério da Cultura dará posse em breve à nova composição do Conselho, que conta com estrutura paritária entre representantes do Estado e da sociedade civil organizada, sendo 12 representantes titulares de cada esfera. Para tanto, realizamos um processo democrático de consulta a todas as entidades do setor, nacionais e regionais, buscando construir um Conselho diverso e com representações dos diferentes elos da cadeia do audiovisual. Teremos também na estrutura governamental representantes do Ministério da Fazenda, do Ministério do Planejamento e Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, cujas participações trarão, por óbvio, os debates pertinentes à nossa indústria e sua reconstrução. Nesse colegiado, serão debatidas em grupos de trabalhos temáticos, as pautas, necessidades estruturantes e urgências do nosso audiovisual. O espaço do Conselho inclusive permite que sejam realizados convites a especialistas e participações de agentes em reuniões, sendo muito profícuo podermos contar com participações do legislativo, de deputadas e deputados, senadoras e senadores, que sejam aliados da Cultura e queiram contribuir para o desenvolvimento do audiovisual brasileiro.
Gostaria de acrescentar alguma coisa em relação ao trabalho da ministra Margareth Menezes neste momento de reconstrução da pauta no Executivo?
Joelma Gonzaga – Ao longo desses oitos meses, o MINC vem sendo reconstruído com a liderança nata da ministra Margareth Menezes com muita seriedade, compromisso e responsabilidade. Isso se dá em todos os âmbitos e o executivo, como não poderia deixar de ser, é um deles. E isso está refletido nas entregas substanciais que foram feitas até aqui, dentre elas o Decreto de Fomento, a Lei Paulo Gustavo, a Instrução Normativa da Lei Rouanet, dentre tantas outras.
O que diz a deputada Jandira Feghali
(Procurada, Jandira Feghali afirmou que a discussão sobre a tramitação relacionada às cotas de cinema e TV paga surgiu porque os dois projetos na Câmara estão apensados. “Quando eu coloquei essa questão na reunião com as [11 maiores associações de produtores independentes do país], com a presença da Joelma, inclusive, foi pedido pelas entidades que eu colocasse a cota de cinemas no texto. Foi uma solicitação da reunião e eu concordei com isso. Não foi pra afrontar o acordo do Senado, que, aliás, não foi o informado à Câmara. E houve a solicitação de juntar as duas cotas. Estou articulando a separação dos dois para votar em separado desde sábado. É bom alertar que o Senado não enviou ainda o texto para Câmara. E, se o prazo for esgotado, a responsabilidade é do momento em que foi votado no Senado. Sobre o Grupo do Trabalho, em nenhum momento o Minc foi excluído. É mentira que houve a exclusão do Ministério da Cultura. É necessário que as pessoas sejam verdadeiras nas suas informações“, disse)