A desinformação como método
Fernando Biral, presidente da estatal que administra o Porto de Santos, responde líder de associação e defende segurança do terminal de fertilizantes
Estamos sempre abertos ao bom debate e ao pleito qualificado, caminho pelo qual alcançaremos os melhores resultados. Para isso, é imperioso que permaneçamos no campo dos argumentos tangíveis, reais e possíveis. Assim, é preciso deixar bem claro: não há termo de comparação entre a tragédia que ocorreu no Porto de Beirute (Líbano) e a movimentação de nitrato de amônio no Porto de Santos. Tentativas reiteradas de igualar o incomparável, ignorando argumentos técnicos e suscitando pânico, só desinformam a população. Com qual intuito e a serviço do que são as perguntas que restam sem respostas aos leitores de Veja e à sociedade em geral. Por ora.
Em artigo intitulado “Porto de Santos: concentração de mercadorias ou tragédia anunciada?”, veiculado em 10/12/2021, o presidente da Frente Nacional pela Volta das Ferrovias (Ferrofrente) e Associação Guarujá Viva (Aquaviva), José Manoel Ferreira Gonçalves, desfere mais uma vez uma saraivada de informações sem lastro técnico para atacar o futuro terminal de fertilizantes do Porto de Santos que o Ministério da Infraestrutura leiloará em 2022.
O STS 53 será um terminal para movimentação de granéis minerais de descarga localizado na área de Outeirinhos e permitirá ao Porto repatriar uma carga que, apesar de ser de sua área de influência, perde há alguns anos por falta de capacidade. Sem espaço em Santos, o fertilizante é desembarcado nos portos do Sul e depois segue para o mercado-fim, o Centro-Oeste, percorrendo um caminho mais longo por um modal menos eficiente, o que se reflete em maior custo logístico. Ou seja, o STS 53 é essencial para reduzir o custo logístico do agronegócio brasileiro, permitindo a movimentação de uma gama variada de fertilizantes.
Ao invés de defender a implantação de um terminal moderno, quase totalmente servido pelo modal ferroviário, o presidente da Ferrofrente busca miná-lo com alegações alarmistas. Se estivesse preocupado somente com os riscos dos fertilizantes à base de nitrato de amônio, que não devem representar mais de 5% da carga movimentada, poderia discutir essa questão sem tentar inviabilizar a totalidade de um projeto que é absolutamente essencial não para o Porto de Santos, mas para o País.
Causa estranheza a solução apontada pelo articulista. Ao criticar o STS 53, diz que “as matérias-primas previstas para serem manipuladas são altamente explosivas”, que “há capacidade ociosa nos terminais de contêineres do porto” e que os navios do STS 53 teriam de “dividir os berços de atracação da região com embarcações de passageiros”. As três afirmações estão erradas, logo veremos.
Como sugestão, encampa defesa atribuída à Frenlogi de implantar o STS 53 no lugar do novo terminal para contêineres, o STS 10, matando outro projeto de expansão e modernização do Porto de extrema importância para atender a indústria nacional.
É importante esclarecer que a implantação de qualquer infraestrutura no Porto de Santos é sempre precedida de estudo de viabilidade socioambiental. Tanto o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) quanto a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) são extremamente criteriosos nos processos de licenciamento e fiscalização. Além disso, a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) e a Autoridade Portuária de Santos vêm incluindo nos editais dos leilões e nas prorrogações de contratos de arrendamentos a incorporação de novas tecnologias com rígidos controles visando, justamente, eliminar eventuais impactos ambientais gerados pela operação portuária.
O armazenamento de fertilizantes à base de nitrato de amônio (caso haja interesse do futuro arrendatário do STS 53 em operar essa carga) só ocorrerá quando e se houver anuência do órgão ambiental, do Corpo de Bombeiros e do Exército Brasileiro. Ocorre que essa avaliação é feita pelos órgãos competentes após o leilão, no momento que antecede a implantação do terminal.
Questionamentos e contribuições podem e devem ser encaminhados à Antaq, que conduz a licitação ainda em fase de consulta pública, de forma a aperfeiçoar o processo no melhor interesse da sociedade. Daí que não fica clara a razão do articulista em, ao contrário, disseminar desinformação e de maneira intempestiva, tentando classificar os fertilizantes como produtos de enorme risco.
Senão, vejamos. São sucessivos os ataques para descredibilizar o STS 53. Ao correlacionar diretamente Santos e Beirute – como se ambos fossem os únicos portos do mundo a movimentar nitrato de amônio e, pior, o fizessem nas mesmas condições -, o articulista tenta fazer uma equivalência entre ambas as realidades, induzindo o leitor ao pânico.
Um episódio em que a carga foi abandonada à própria sorte por mais de 6 anos, junto a materiais inflamáveis, entre outras condicionantes, não nos parece minimamente adequado para ser usado como espelho de um porto com instalações modernas como os terminais de Santos e Guarujá. Seria, antes de tudo, ver os portos brasileiros como um novo continente a ser descoberto, sem inovação, sem tecnologia, sem profissionais, remontando o Brasil portuário do século 21 à chegada das caravelas.
A realidade lá é completamente diferente da encontrada no Porto de Santos, onde essa carga permanece armazenada por no máximo 15 dias e com rígido controle de umidade e temperatura (contando, inclusive, com câmeras térmicas capazes de medir a temperatura no interior das pilhas de produtos). Tanto que o Ibama atestou a segurança do Porto em duas operações realizadas pós-acidente no Líbano. Tais informações já foram levadas ao conhecimento do articulista, mas, estranhamente, há uma insistência em ignorá-las.
Fertilizantes à base de nitrato de amônio são, em condições normais, estáveis e por si só não apresentam ameaça. O risco de incêndio depende de outros materiais inflamáveis ou combustíveis. Em Santos o nitrato de amônio já é operado e armazenado de forma correta e seguindo padrões e regras estabelecidos pelos órgãos competentes.
Pode-se, portanto, assegurar que, cumpridos todos os crivos que culminarem no eventual licenciamento ambiental, o terminal será seguro.
Outra afirmação equivocada é de que “os navios teriam que dividir os berços de atracação da região com embarcações de passageiros…”. As embarcações de cruzeiro marítimo não atracam obrigatoriamente em frente ao terminal de passageiros, o qual conta com apenas um berço exclusivo para essa finalidade. O futuro arrendatário do STS 53 terá como uma de suas obrigações contratuais a execução da obra de alinhamento do cais de Outeirinhos, o que proporcionará expansão de capacidade do sistema aquaviário do Porto de Santos para atender as operações de granéis minerais. Desse modo, o projeto prevê a coexistência pacífica com o Terminal de Passageiros. Reiteramos: o STS 53 está em fase de consulta pública e, caso novos argumentos técnicos sejam apresentados, o projeto pode sofrer ajustes – como normalmente acontece nessa etapa da licitação.
A alegação de que há capacidade ociosa nos terminais de contêineres do Porto de Santos, não sendo prioridade a licitação da área STS 10, também carece de respaldo. Pelo menos de acordo com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a taxa de ocupação de berços ideal é de 65% para terminais de contêineres, acima disso a operação pode se tornar ineficiente se qualquer evento extraordinário ocorrer, tal qual o fechamento do canal de navegação por intempéries climáticas, entre outros. Só que a taxa de ocupação de berços nos terminais de contêineres de Santos supera 70% na média, tendo ficado em alguns meses do ano acima de 85% na Brasil Terminal Portuário e na DP World.
Hoje a capacidade instalada para operação de contêineres no Porto de Santos é de 5,3 milhões de TEU (contêiner de 20 pés). Em 2021, mesmo num cenário de pandemia, a movimentação aponta crescimento de 14%, chegando a 4,8 milhões de TEU. Mantido esse ritmo em 2022, o Porto encerraria o próximo exercício com 5,4 milhões de TEU – acima da capacidade existente.
Assim, é premente expandir a oferta para contêineres em Santos, afinal, capacidade tem de vir antes da demanda, e é vital atender ao agronegócio brasileiro com a implantação do STS 53. Quem diz o contrário ou não entende de planejamento portuário, ou é contra a concorrência. Ou os dois.
* Fernando Biral, diretor-presidente da Santos Port Authority (SPA), estatal que administra o Porto de Santos