Consultor em diversos projetos de segurança pública em países da América Latina, o sociólogo Ignacio Cano é categórico: os resultados do uso de câmeras nas fardas de policiais militares em São Paulo são os melhores que ele já viu. Ele critica a ideia de abolir o programa, sugerida pelo ex-ministro e pré-candidato ao governo Tarcísio Freitas (Republicanos), candidato a governador do estado na eleição deste ano.
“Os dados que a polícia de São Paulo mostrou, até agora, são os melhores que eu já vi no mundo inteiro em termos de redução da letalidade”, diz o pesquisador a VEJA.
Estatísticas divulgadas pela Secretaria de Segurança Pública (SSP) mostram não só uma redução em mais de 80% nos confrontos entre policiais e civis nos batalhões que utilizam a câmera, mas uma queda significativa também na morte de policiais em serviço. Em 2021, apenas um policial militar morreu em confronto durante o serviço – e em uma unidade que não utilizava câmera. Para o sociólogo, as estatísticas mostram uma realidade já conhecida para quem pesquisa o tema, de que há uma letalidade policial excessiva no país e que não serve para proteger policiais.
“O uso da força no Brasil não é feito apenas para proteger a vida dos policiais – o que seria perfeitamente legítimo –, mas vai além, e acaba ocasionando muitas mortes que seriam evitáveis”, conclui Cano.
Polêmica eleitoral
O debate sobre as câmeras tem gerado controvérsias entre pré-candidatos ao governo estadual de São Paulo, como mostrou reportagem de VEJA. Após a declaração de Tarcísio, contrário às câmeras, o ex-governador Márcio França (PSB) diz que quer reformular o programa, que considera “caríssimo e invasivo”. “A gravação deve ser vinculada a uma ação que envolva conflito. O que separa o policial de todo servidor público é o uso de arma. Apenas neste momento se autoriza, pelo bem comum, a gravação”, disse França, por meio de nota.
O governador Rodrigo Garcia (PSDB) e o ex-prefeito Fernando Haddad (PT) dizem que vão manter o programa.
Para Cano, não há justificativa técnica para a mudança no modelo atual, que grava em alta resolução, com som e localização por GPS apenas em situações em que há ocorrências policiais. “Não vejo por que candidatos ao governo, a não ser bolsonaristas, iriam se opor à câmera como um instrumento de redução da letalidade policial”, diz. “A posição deles, de que bandido bom é bandido morto, é que está por trás dessa opinião. Então não é que eles politizem o debate das câmeras. Eles já entram no debate da segurança pública defendendo a morte de pessoas suspeitas.”
Fundador do Laboratório de Análise da Violência na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (LAV-UERJ), Ignacio Cano trabalhou no estudo de segurança pública e direitos humanos no Brasil a partir de 1996 e hoje é professor na Universidad Autónoma de México.