A onda de atos golpistas que encurralou o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e vários aliados seus diante do Supremo Tribunal Federal (STF) suscita discussões no mundo jurídico sobre supostos excessos cometidos pela Corte por causa do pulso firme com que o relator dos casos, ministro Alexandre de Moraes, tem conduzido as investigações. Para o ministro aposentado e constitucionalista Ayres Britto, a Corte está no caminho porque precisa analisar o caso pelas lentes da Constituição antes do Código Penal.
“O Supremo vai ter que interpretar a Constituição com todo apuro técnico. Ele vai ter que interpretar, antes de tudo, antes mesmo do Código Penal, o inciso XLIV do art. 5º da Constituição”, afirma o jurista. O trecho destacado diz que é crime “inafiançável e imprescritível” o atentado contra o Estado Democrático de Direito. “A própria Constituição é que tipifica ou categoriza como gravíssima a conduta humana, sem esperar pela lei penal.”
Esse entendimento é o que justificaria, de acordo com Britto, a forma como o Supremo tem tratado todas as investigações que apuram atos antidemocráticos — o que vai desde as suspeitas que recaem sobre o ex-presidente até os ataques do 8 de janeiro, que levou quase mil pessoas para atrás das grades por invadir e depredar as sedes dos Três Poderes em Brasília. Sobre esse episódio, Ayres Britto diz: “O que o Supremo tem que fazer é sair em defesa do que há de mais precioso, mais altaneiro, mais valioso, que são os bens da vida mais importantes: formalmente, a Constituição, pois estamos diante de constituicidas; e, substantivamente, da democracia, porquanto perpetrado por democraticidas”.
A investigação e julgamento do crime de golpe de Estado é inédita, pois a Justiça brasileira, até então, não havia se debruçado sobre o tema. O motivo é prático: depois que o golpe se consolida, a ordem institucional se rompe e não há o que fazer por meio de um Estado dissolvido. Na avaliação de Ayres Britto, o pulso firme de Alexandre de Moraes é fruto desse ineditismo da situação e da importância de proteger valores (no caso, a Constituição brasileira de 1988 e a democracia nela positivada) que “fazem do Brasil um país juridicamente primeiro-mundista”.