Em 1853, o comodoro Matthew Perry, à frente de uma poderosa esquadra da Marinha de guerra americana, pressionou o Japão a aceitar o comércio com os Estados Unidos. O país se curvou e abriu seus portos em 1854. Era o alvorecer do Século do Imperialismo (1870-1914), caracterizado por expansão territorial do colonialismo europeu, dos EUA e do próprio Japão. As invasões da China por potências coloniais no século XIX compuseram o Século da Humilhação, assim definido até hoje pelos chineses.
Prevalecia, então, a ideia de que a prosperidade seria alcançada não pelo aumento da produtividade, como hoje se sabe, mas pela capacidade de invadir, ocupar e explorar outros territórios. Era a lei da selva. Frotas navais podiam intimidar países endividados a pagar seus compromissos. Foi o que aconteceu com o bloqueio naval imposto pela Grã-Bretanha contra a Venezuela entre 1902 e 1903.
Depois da Segunda Guerra, sob a liderança americana, nasceu a ideia de uma ordem internacional baseada em regras e não em poder econômico e militar. Veio daí o Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT, na sigla em inglês), o predecessor da Organização Mundial do Comércio (OMC). A redução de tarifas e o livre mercado impulsionaram o comércio exterior e a atividade econômica, contribuindo para o enriquecimento global.
“Haverá muitas consequências negativas para os Estados Unidos e para o mundo. Não tem como dar certo”
Trump está virando esse mundo de ponta-cabeça. Ameaçou anexar o Canadá e a Groenlândia, e assumir o controle do Canal do Panamá, no velho estilo imperialista. Atacou universidades e cancelou suas dotações orçamentárias, violando o modelo de pesquisas básicas do pós-guerra, que contribuiu para a liderança tecnológica dos Estados Unidos. Implementou um processo de deportação em massa de imigrantes não documentados, em prejuízo principalmente para a agricultura.
De forma inédita, transformou tarifas em arma, violou tratados internacionais de comércio e a cláusula da nação mais favorecida, que veda tarifas diferenciadas por países. Criou uma bagunça com milhares de situações tarifárias, o que acarretará ineficiências, prejudicará o funcionamento das redes mundiais de suprimentos — uma fonte básica de crescimento dos últimos trinta anos — e tende a reduzir o ritmo do comércio mundial e o potencial de crescimento global.
A lei da selva renasceu. Trump, como lembrou o cientista político americano Steven Levitsky, usa as tarifas como “instrumento de intimidação, na maioria das vezes com fins meramente pessoais”. É como negociar com uma arma apontada para a testa. Tudo pode acontecer. O Japão e a União Europeia, em postura pragmática, preferiram capitular. A retaliação via tarifas chegou a ser considerada, mas logo abandonada para evitar o pior.
O multilateralismo, esteio do liberalismo econômico internacional, desmorona. Haverá muitas consequências negativas para os Estados Unidos e para o mundo: na produtividade, na inflação e no bem-estar dos consumidores americanos. Trump está criando uma realidade distópica. Não tem como dar certo.
Publicado em VEJA de 29 de agosto de 2025, edição nº 2959
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